Lucas Headquarters #111 – 10/10, um dia com nota 10
Ora então boas tardes, comadres e compadres!! Como estão?
Sejam bem-vindos a mais uma edição de “Lucas Headquarters” aqui no WrestlingNotícias!!
Finalmente chegou a chuva, e com a chuva chegou o frio. E com o frio chegou a
lareira acesa. E com a lareira acesa chegaram as castanhas, as noites que
passamos confortavelmente sentados no sofá, de mantas e cobertores peludos nas
pernas, a ver séries, filmes, a jogar… Enfim, acho que já podemos verdadeiramente
dizer, depois de semanas de prolongamento do Verão, que finalmente chegou o Outono.
Mas neste reconfortante clima outonal há uma primavera que
desponta.
Eu não sei se tinha deixado bem claro nos últimos meses, se
calhar foi um detalhe que, por lapso, me esqueci de realçar. Mas, no que toca
ao wrestling, estamos a atravessar uma altura inédita.
Imaginem-se a recuar até ao tempo em que começaram a andar nestas lides do wrestling. No meu caso, como no caso da grande maioria de vós que estais a ler isto, vamos recuar até à primeira década do século.
Para que todos possam estar suficientemente enquadrados, vamos situar-nos ali entre o fim da Attitude Era (2002, mais ano menos ano) e o fim da Ruthless Aggression Era (finais de 2007, inícios de 2008). Penso que tenha sido esta a altura em que muita gente da minha idade começou a ver wrestling. Uns acabaram por sair desse comboio passado um par de anos; outros, como eu, ficaram e ainda hoje seguem viagem, mas isso agora é apenas uma mera nota de rodapé.
Nesse espaço de cinco, seis anos, Portugal era, como aliás já estou quase careca de mencionar, terreno fértil para malta que gostava de ver dois gajos (ou gajas) a contar histórias através de contacto físico impulsionado pela força, pela técnica e não raras vezes, pela gravidade.
A WWE atravessava o seu período de ouro relativamente ao número de fãs que conquistava no nosso país, ao mesmo tempo que usufruía do conforto que era ter o monopólio do wrestling. No auge desse período, a WWE pisou por duas vezes o solo lusitano, primeiro em 2006, no pico da histeria coletiva, e depois em 2008, quando grande parte do público que dois anos antes havia acorrido em massa ao live event em Lisboa já começava a perder o encanto com esta modalidade.
E isso
aconteceu de tal forma que depois de todo esse período de elevada popularidade,
as estrelas da maior empresa de wrestling mundial só nos visitaram mais
duas vezes, em 2012 e em 2017.
Mas havia uma diferença determinante em meio a toda essa
histeria coletiva e a esse período em que a WWE juntava três ou quatro tugas em
cada casa para ver um RAW ou um SmackDown. É que, nesse tempo, o wrestling
era a WWE. A WCW havia sido comprada por Vince McMahon em 2001 e a ECW (adquirida
no mesmo ano) passava de grande companhia hardcore dos anos 90 a,
primeiro, uma terceira brand da WWE e, já no seu último suspiro, quase um
território de desenvolvimento, onde grandes nomes do roster de hoje
começaram por se mostrar.
E é por isso que estamos a atravessar uma altura inédita.
Porque, mesmo nesse tempo em que toda a gente parecia verdadeiramente disfrutar
de wrestling, a modalidade confundia-se com uma só empresa do seu ramo.
Os seus responsáveis haviam eliminado toda a concorrência possível numa estratégia
despótica de monopolização. Podemos argumentar que já existia a extinta TNA
(agora IMPACT), mas na altura não existiam ainda metade dos recursos que
pudessem gerar interesse em acompanhar também essa empresa, e isso,
previsivelmente, acabou por favorecer a WWE.
O facto é que, contra todas as expectativas, o negócio do wrestling
esteve monopolizado durante dezoito anos. Dezoito anos, gente!! Numa linha
temporal com três milénios, dezoito anos não é mais senão um grão de pó, uma ínfima
partícula. Mas quando a linha do tempo é aplicada a um desporto como o wrestling
(que necessita frequentemente de se renovar para manter os fãs investidos),
dezoito anos podem ser a diferença entre uma fanbase de, vamos dizer,
dez mil pessoas, e uma fanbase à volta das duas mil e quinhentas.
Quer isto dizer que o facto de o wrestling se ter confundido quase tão somente com a WWE ao largo de mais ou menos vinte anos teve um papel fundamental na perda de interesse pela modalidade? Na verdade, não justifica tudo.
Para quem outrora foi fã e já não o é, o encanto de
gostar de wrestling está em não se saber que, sendo a ação que vemos no
ringue muito verosímil, grande parte dos detalhes que permitem o executar dessa
ação são decididos quando ninguém está a ver. Uma vez que se descobre que a
essência do wrestling não tem a realidade brutal de, por exemplo, um
combate de MMA, o encanto, para muitas pessoas, vai-se perdendo.
Muita gente até chega a criar o preconceito do wrestling como
sendo uma “criancice”, ou um “divertimento de gaiato pequeno” – e acreditem, eu
já fui muitas vezes criticado por gostar de wrestling com estas mesmas
palavras, dentro da minha própria família.
A altura que estamos a viver no wrestling é inédita
porque, pela primeira vez em 22 anos, há duas empresas que lutam (pun intended)
com tudo o que têm para agradar ao mais exigente dos fãs. E – pasmem-se – há fãs
que lutam com palavras, muitas vezes injustas, em nome de uma empresa, quase
como fazemos com os clubes de futebol. Mas isso é assunto para outra edição.
É com duas empresas a lutar pela admiração das massas que
fazem com que elas existam que chegamos a um dia histórico no wrestling. Um
dia que nem no tempo das Wednesday Night Wars, quando a AEW e a WWE (na
pessoa do NXT) disputavam as audiências de quarta-feira, conseguiu ter tanto
significado. Um dia que me fez lembrar todos os dias desse período de cinco,
seis anos, em que as pessoas se juntavam para ver wrestling: 10 de
Outubro de 2023.
E nem vale a pena entrarmos em especificidades, quer dizer, a
malta já sabe o que aconteceu de ambos os lados: A AEW fez uma edição especial
(intitulada Title Tuesday) que para além de ter o AEW International
Championship e também o AEW Women’s Championship em jogo, tinha como Main
Event a estreia de Adam Copeland (Edge para os amigos) nos ringues da
Elite, tendo por adversário Luchasaurus.
A WWE, que entrou quase em estado delirium tremens quando
viu Edge ser acolhido pelo vizinho do lado, jogou todos os ases na mesa e
convocou todos os nomes que estão mais na moda, Hall of Famers do
presente e do futuro, needle movers que conseguem excitar o público com
uma simples palavra, para fazer frente a um inimigo que, na verdade, não
existe. A existir, é apenas na parte fanática do cérebro humano, que não é
capaz de distinguir que o mais importante é o todo, nunca as partes.
E foi assim que, por exemplo, Cody Rhodes foi nomeado General
Manager do NXT por uma noite; John Cena fez uma promo em conjunto com Bron
Breakker e acompanhou o adversário deste, Carmelo Hayes, ao ringue no Main
Event (do lado de Breakker estava Paul Heyman, o wiseman da Bloodline),
LA Knight foi o árbitro cheio de estilo que impôs ordem no combate entre o NXT
Champion Ilja Dragunov e o North American Champion Dominik Mysterio; e Undertaker
fechou a contenda com chave de ouro, atacando Bron Breakker depois de Hayes o
ter derrotado.
Se não houvesse AEW a “jogar” à mesma hora, provavelmente
acharíamos estranho, mas ao mesmo tempo diríamos que era (relativamente) normal
que estas lendas todas aparecessem num terreno que, segundo a política da WWE,
serve apenas para preparar os seus wrestlers para os verdadeiros
desafios. Mas, dada a força da concorrência, a conclusão a que facilmente se
chega é que a WWE entrou, cá está, em delirium tremens. Porquê? Porque a
malta lá de trás não é parva, e sabe que um tendo um Ilja Dragunov a “combater”
contra um Edge à mesma hora, provavelmente o resultado era derrota pela certa.
E assim se justifica a aparente “sova” que a WWE acabou por
inflingir à AEW nessa noite. 921 mil espectadores do lado da fed, 604
mil do lado da Elite. Mas estes números são rapidamente desvirtuados à luz
daquilo que eu acabei de dizer: Sem prejuízo de que a WWE conseguiria, na mesma,
entregar um show de qualidade só com o card que tinha preparado,
ou a diferença não seria tão grande, ou se calhar a brand branca e
dourada sairia por baixo. E o facto de que, para a WWE, os números poderiam ter
sido piores na ausência de tanto nome lendário é um indicador grave, no sentido
em que põe a nu as dificuldades da empresa em gerir, com qualidade, os recursos
que tem.
O que não se justifica são os últimos tweets de Tony Khan. Os registos são estes – Tony Khan perdeu por 300 mil espectadores de diferença. E a derrota poderia nem ter sido assim tão drástica, se o manda-chuva da AEW tivesse sabido lidar com ela. Mas não soube, infelizmente.
This week, 2 active decades-long ratings streaks from 2 great legends were ended
— Tony Khan (@TonyKhan) October 12, 2023
With all due respect, until this week's head-to-head AEW on TBS vs WWE on USA, neither John Cena nor Undertaker had ever been on a WWE show with under 1 million total viewers + under 400k in the demo
Muitos dirão que é natural, porque no final de contas, Tony Khan é um “CEO-adepto”, um “fã de wrestling endinheirado”. Mas o negócio do wrestling é para ser levado a sério. Todas as decisões devem ser tomadas com a cautela de quem sabe – ou deveria saber – que mais vale um pássaro na mão do que dois a voar.
E se nesse aspeto, Tony Khan não costuma desapontar, a verdade é que também precisa de ter em consideração que a possibilidade de ter números inferiores à concorrência é real uma vez por semana. E nisso não há riqueza que lhe valha.
Bem sei que, para efeitos de tribalismo, os números são apenas
isso – quem é fã da sigla AEW vai continuar a sê-lo, quem é fã da sigla WWE vai
continuar a sê-lo. Mas pede-se mais classe a um homem que, desde há quatro anos
para cá, já quebrou tanta barreira e mudou tanta mentalidade num desporto onde
é extremamente difícil fazê-lo.
Chegou, então, a altura de apontar um vencedor dessa noite histórica: AEW? WWE? Não, gente. Foi o wrestling. No dia 10 de Outubro de 2023, 1,5 milhões de pessoas viram wrestling.
Por um lado, esta foi
uma vitória plena de significado: Perante tão grandes números, a malta põe um
bocado de lado o tribalismo com que vai criticando as vicissitudes deste
desporto. Por outro, é uma vitória que me faz lembrar o Desporto Escolar: Ganham
todos, ninguém perde e vai tudo feliz da vida para casa, com uma medalha
forrada a pacote de bolachas do Pingo Doce.
O que acharam da forma como correu a noite desta passada terça-feira? Que benefícios poderá trazer para o wrestling no geral?
E assim termina mais
uma edição de “Lucas Headquarters”! Não se esqueçam de passar pelo nosso site,
pelo nosso Telegram, deixar a vossa opinião aí em baixo… o costume. Para a
semana cá estarei com mais um artigo!!
Peace and love, até ao meu regresso!