Lucas Headquarters #119 – Tribalismo: A praga que “mata” lentamente o wrestling
Ora então boas tardes, comadres, compadres, duendes e renas
do Pai Natal!! Como estão? Sejam bem-vindos a mais uma edição de “Lucas
Headquarters” aqui no nosso sítio do costume, o WrestlingNotícias!! Essa árvore
de Natal, já está montada? Já montaram os demais enfeites? Não tenham pressa,
mas também não percam tempo porque isto agora passa num instante…
Estamos a entrar no último suspiro do ano, o Natal está a
duas semanas de distância, portanto esta é a altura certa para começarmos a
fazer as já tradicionais retrospetivas referentes a 2023 (se bem que Spotify e
YouTube já se anteciparam nessa matéria), algo que vamos iniciar já para a
semana, de modo a chegarmos à semana do Natal com um tópico para abordar, mesmo
que não seja assim tão natalício (algo que não houve no ano passado).
Para esta semana, trago-vos, de certa forma, uma “sequela” do
tema da semana passada. Uma “sequela” que ao mesmo tempo acaba por não ser,
porque este é um tema que eu tenho pensado em abordar há várias semanas, mas
que tenho deixado constantemente na gaveta por ser algo que tem que ser
abordado com “pinças”, que não pode simplesmente ser resumido em meia dúzia de
parágrafos com três ou quatro frases coesas e bem construídas, e que me vai dar
muitas dores de cabeça porque imagino que, depois disto, vai haver muita gente
que vai deixar de ler o que aqui escrevo (espero que não…)
Ao fim e ao cabo, esta acaba até por ser a altura certa para
se falar disto. Estamos em Dezembro, mês de reflexão, talvez de balanço. É
nesta altura que, como disse, olhamos para tudo o que há de bom e de mau e logo
a seguir fazemos o exercício, muitas vezes falacioso, de tentar melhorar e ser
diferente.
E estamos a chegar ao fim de um ano em que as grandes
empresas se apetrecharam com nomes como CM Punk, Kairi Sane, Adam Copeland (fka Edge), Will Ospreay e Kota Ibushi e
em que se soube que Kazuchika Okada vai mesmo ser free agent (algo que, honestamente, nunca pensei que acontecesse,
sempre imaginei o homem a ser leal à New Japan tal como Undertaker foi sempre
leal à WWE) e em que a WWE já se movimenta no mercado para 2024 ao tentar
contratar Giulia à STARDOM, muito embora as novidades nesse dossier tenham
estagnado há umas semanas.
Portanto, ao mesmo tempo que este artigo é uma “sequela” relativamente ao que debati com vocês faz precisamente oito dias, também acaba por ser, em boa verdade, uma “prequela”, uma vez que para a semana vamos começar a fazer a tal retrospetiva que diz respeito a este ano.
Enquanto isso,
na edição de hoje vamos, de certa forma, olhar para um problema cada vez mais
grave na comunidade de wrestling, em
Portugal e no mundo. Um problema que, na minha humilde condição de fã que
acompanha o trabalho de três empresas (e que, por isso, se tenta distanciar ao
máximo dessas picuinhices) é a verdadeira “mácula” num ano que foi francamente
positivo a nível do que vimos no ringue.
Tribalismo. Dizem os dicionários, entre outras
definições mais literais desta palavra, que “tribalismo” é um termo
depreciativo usado para nos referirmos ao, e estou a citar, “espírito de
pertença ou lealdade a um grupo fechado, unido por ideias, um passado ou interesses
comuns”
Ao olhar para esta definição tirada da Infopédia, facilmente
nos apercebemos que todos nós somos um bocadinho tribalistas em quase tudo o
que desperta a emoção. Todos nós temos um clube de futebol que apoiamos
incondicionalmente (seja ele um dos chamados “Três Grandes” ou não), todos nós
temos um género de música preferido e colocamos todos os seus artistas ou
bandas num pedestal, renegando os artistas e bandas dos outros géneros para o
patamar de burrice de quem falha a primeira pergunta do “Joker”.
Esta atitude não é, obviamente, a mais recomendável,
sobretudo nos tempos em que nos encontramos (em que qualquer opinião diferente
da nossa causa uma catástrofe com dimensões iguais às do “efeito borboleta”),
mas é uma atitude que, quando aplicada à arte ou a desportos mais coletivos,
acaba por ser, com bastantes aspas, “normal”.
Porque, dê lá por onde der, o futebol continuará sempre a ter adeptos apaixonados que defendem o seu clube como se a própria vida dependesse disso. As bandas de que gostamos vão continuar a produzir músicas cada vez melhores (e, pelo caminho, vamos descobrindo novas bandas que juntamos àquelas de que gostávamos).
Nós vamos continuar a ver filmes e séries medíocres só porque no elenco está o nosso ator (ou atriz) favorito. Não sendo a melhor atitude, acaba por ser normal porque a fanbase que existe a nível de futebol, música e cinema estabiliza e expande-se continuamente.
Com o wrestling, infelizmente, isso já não acontece. O wrestling, não sendo um desporto em vias de extinção, aproxima-se cada vez mais dessa classificação.
E isto, em parte, não é culpa nossa – a forma apaixonada como
olhamos para tudo o que se passa dentro deste ramo, misturada com a componente
pré-determinada (que permite, precisamente, a existência destes artigos de
opinião) suscita muito preconceito por parte de quem nunca viu (e que por isso
não tem a mínima noção de que um combate de wrestling,
sendo muitas vezes algo teatral, é realizado no mundo real) mas também de quem
já viu mas perdeu o interesse porque se apercebeu da componente pré-determinada
que o envolve.
Mas depois, existe a outra parte: A parte que a nós nos diz
respeito. E eu próprio já fui parte deste problema chamado “tribalismo” porque,
até surgir a AEW, eu não consumia mais para além de WWE, porque, entre os
estudos e as vicissitudes da minha vida pessoal, eu não tinha tempo para muito
mais.
De tal modo que, quando ouvi falar na Kairi Sane pela
primeira vez (quando li a notícia que dizia que a WWE a tinha contratado) eu
nem sabia quem era, pensava que era uma nova promessa que estava aí a surgir e,
vai-se a ver, à altura em que foi contratada, já tinha por volta dos 28 anos
(isto em 2017). Eu nem sabia, de igual modo, quem era a IYO SKY quando chegou à
WWE, não sabia quem era a Hana Kimura até ter lido sobre a sua trágica partida
deste mundo…
O problema aqui não está em quem vê apenas uma empresa – como
disse, nem todos temos tempo suficiente para acompanhar três (ou mais) empresas
de wrestling, e está tudo bem – mas
em quem vê mais do que uma e insiste em escolher um lado, muitas vezes para
gerar interações nas redes sociais.
Lembro-me agora que, quando rebentou a notícia de que o Cody
Rhodes tinha saído da AEW e ia voltar à WWE, um amigo meu (que também é fã de wrestling) não perdeu tempo a chamá-lo
de “charlatão”. De vez em quando lá leio opiniões de quem se mostra contra
aqueles que dizem que um wrestler só
é considerado como um wrestler “completo”
– falando em termos de skill – se
passar pela WWE. E aí, até têm uma certa razão, Sting e AJ Styles (os dois
exemplos mais flagrantes) já eram bastante completos antes de chegarem à
empresa.
Mas, enquanto vejo gente a criticar todo e qualquer passo ou
decisão que a WWE toma, também vejo pessoal a perguntar-se constantemente se a
AEW vai acabar cada vez que a empresa que agora está nas mãos de Nick Khan lá
consegue desviar um potencial alvo da Elite (coisa que, ultimamente, tem sido
cada vez mais rara, e já várias vezes falei aqui nisso). Vejo gente a festejar
cada vez que há um evento da AEW onde há mais cadeiras vazias com a mesma
euforia e emoção de quem festeja uma qualquer conquista da seleção do seu país
no futebol.
E se tudo isto, todas estas picardias, este “a minha é maior que a tua” aplicado às empresas de wrestling já é mau, imaginem quando dirigido aos próprios wrestlers.
E não falo apenas do exemplo do “charlatão” Cody Rhodes, senão que, há pouco tempo, um outro amigo meu que é fã me disse que tudo aquilo que o Jon Moxley fazia numa luta era sangrar (mas que, ironia do destino, adorou o combate que opôs Swerve Strickland a “Hangman” Adam Page no Full Gear).
Existe gente que criticou fortemente o Adam Copeland porque,
simplesmente, tudo aquilo que a WWE lhe iria oferecer aos 50 anos iria ser um
caso de “vira o disco e toca o mesmo” e ele decidiu – e muito bem –
experimentar algo novo. E ele bem que tentou acalmar a multidão furiosa com um
post, mas nem isso serviu…
E vamos falar do que acontece no joshi? Ainda há poucas semanas li tweets que
desejavam que a Wakana Uehara (wrestler da
TJPW e antiga idol, que vai completar
um ano de experiência no ringue em Janeiro) nunca mais lutasse nos Estados
Unidos. Para não falar que uma das razões que levou a Himeka a terminar a
carreira foi precisamente esse tipo de tribalismo mais seletivo, dirigido a wrestlers em particular.
Ao citar todos estes exemplos, não posso deixar de perguntar “Como é que nos deixamos chegar até aqui?”.
Podia facilmente dizer “como é que chegámos…?” mas, para acompanharmos wrestling, temos que ter a mínima noção
do que lá se passa, e isso inclui saber discernir quando é que pensamos pela
nossa cabeça e quando é que deixamos que os outros pensem por nós.
A resposta desenvolve-se em dois sentidos. O primeiro é mais
simples do que parece e vai ao encontro daquele ditado que eu uso sempre nestas
situações:
“Os exemplos vêm sempre
de cima”.
Enquanto Vince McMahon “reinou” na WWE (see what I did there?) fomos levados a acreditar que aquela empresa era a única coisa de bom que existia no wrestling. E, embora isso seja uma valente mentira, a verdade é que a WWE monopolizou durante tanto tempo a indústria de wrestling que acabou por monopolizar também o nosso pensamento.
Qualquer menção à
concorrência era terminantemente proibida (tanto que, numa certa promo já com
uns quatro anos, o choque foi total quando Sami Zayn mencionou a AEW ao vivo e
a cores) e ai dos wrestlers da WWE que convivessem abertamente com os wrestlers da Elite. Algo que, como bem
sabemos, só começou a mudar com a chegada de Triple H ao poder criativo, o que
supõe também mudanças na mentalidade.
Mas não tenhamos ilusões, minha gente: Com certeza que, mesmo
que a parte da convivência aberta não se aplique, mencionar a WWE na
programação da AEW também é um tabu. É do conhecimento público que Rossy Ogawa,
produtor executivo da STARDOM, não vê com bons olhos o impacto da AEW e, ao
longo dos últimos anos, tem preferido quase sempre trabalhar com a WWE. Se
aqueles que gerem ou dão a cara pelas empresas também cometem estes atos de
tribalismo, o que é que eles esperam que qualquer fã faça?
No entanto, a nossa função também é essa: Mostrar aos
manda-chuva das empresas que o wrestling é
algo cuja beleza muita gente não compreende, portanto é um mundo que se quer
unido. Se nós não conseguimos ter uma discussão civilizada sobre pro
wrestling na internet, porque é que somos fãs de pro wrestling para
começar?
O outro é, também ele, um reflexo. Vivemos tempos socialmente
sensíveis, em que temos uma opinião que supostamente conta, mas que só conta se
for ao encontro daquilo que os outros esperam que nós digamos. Se dizemos que
não gostamos de algo na WWE, somos logo rotulados de “anti-WWE”, se dizemos que
não gostamos de algo na AEW, somos logo rotulados de “anti-AEW”. E isto,
parecendo que não, “mata” o wrestling.
Mata o wrestling porque o wrestling é o único fenómeno
do mundo que não escolhe lados nem clubes, não escolhe esquerda nem direita,
não escolhe preto nem branco. É o único desporto no mundo que se sente
confortável no cinzento: Podemos reconhecer que há coisas que estão bem num
determinado combate, feud ou empresa, ao mesmo tempo que há coisas que
estão mal.
Sou contra a vendetta que
os pró-WWE têm em relação aos pro-AEW, mas também sou contra a vendeta que os
pró-AEW têm em relação aos pró-WWE, assim como os pró-Joshi contra os
pro-Western wrestling e vice-versa.
Se querem escolher lados no wrestling como em todo o resto, escolham o
centro. Tentem acompanhar o máximo de wrestling possível e apoiem os wrestlers,
não as companhias. Porque os wrestlers capturam a imaginação pela
virtuosidade, as companhias destroem-na pela parcialidade.
E vocês, o que pensam sobre o tribalismo que está instalado
no wrestling?
E assim termina esta já longa edição de “Lucas Headquarters”!
Não se esqueçam de passar pelo nosso site, pelo nosso Telegram… e para a semana
cá estarei para começarmos a fazer a retrospetiva de tudo o que aconteceu, de
bom e de mau, ao longo deste ano
Peace and love, até ao meu regresso!!