Lucas Headquarters #90 – Foi um prazer, Himeka!
No entanto, o artigo desta semana, por mais redondo que seja
em termos de números, é daqueles que me custa muito escrever (e para a próxima
semana será igual). É um artigo que carrega uma certa tristeza, mas também uma
certa incerteza. Mas é um artigo que, apesar de tudo, revela também gratidão.
Mas no wrestling feminino japonês essa não é a norma – ou, pelo menos, vai começando a não ser. Quando o chamado joshi wrestling começou a entrar pela porta do mainstream adentro (muito por conta dos talentos que a STARDOM foi revelando e que foram sendo caçados pela WWE, que já nem preciso dizer quais são), fins de carreira abaixo dos 30 anos (ou, no máximo dos máximos, antes dos 35) eram a lei.
Neste primeiro parâmetro, destaca-se o
nome de Hiromi Mimura, que se estreou aos 29 anos (em Outubro de 2015) e terminou
a carreira com 31 (em Março de 2018). Ou seja, o seu percurso nem chegou aos três
anos de duração. O que é certo é que Mimura foi mãe um ano depois, portanto a questão
do seu fim de carreira ter sido precipitado pela maternidade será sempre
plausível.
Tivemos ainda um caso mais conhecido, o de Hazuki. Atualmente a desfrutar do melhor período da sua carreira (e preparadíssima para um push a solo), Hazuki está já na sua segunda run como wrestler, sendo que a primeira começou aos 16 anos em Julho de 2014 e terminou aos 22, em Dezembro de 2019.
A julgar pelo Hazuki nos tem mostrado nos últimos meses,
claramente ter-se retirado aos 22 anos terá sido uma decisão precipitada, já
que estamos perante uma wrestler muito mais madura e que, claramente,
terá ainda muito mais para dar – e ainda bem, a sua evolução desde o último Verão
tem sido positivamente surpreendente.
A questão é que estas duas retiradas praticamente não mexeram
connosco. O primeiro caso porque, verdade seja dita, nem sequer deu para
aquecer, e ficou a sensação de que mal tinha entrado e já estava a sair. O
segundo porque, na sua ausência, a “geração de ouro” da STARDOM – Utami Hayashishita,
Saya Iida, Arisa Hoshiki, Himeka, Giulia… - começava a despontar. Toda aquela
excitação em relação ao futuro faria com que nos esquecêssemos um bocadinho da ausência
– ou ausências - do passado.
Até que chegamos a 2020 e assistimos, de forma repentina, a
três fins de carreira que acontecem por razões tão distintas e paralelas que, à
primeira vista, seria impossível pensar que tal sucessão de retiradas aconteceu
num espaço de meses.
Em Fevereiro, Kagetsu sai de cena aos 28 anos, embora tenha
saído da reforma por uma vez, no primeiro Hana Kimura Memorial Show, onde
voltou a juntar-se a Hazuki e às duas integrantes da Tokyo Cyber Squad (Death
Yama-san e Konami) para enfrentar Asuka (não a que hoje está na WWE e era
conhecida como Kana, mas a que nasceu em 1998), Syuri, Natsupoi e Mio Momono.
Em Maio, dia 20, Arisa Hoshiki abdica do Wonder of STARDOM Championship após mais de um ano como campeã e também ela arruma as botas por motivos de ordem física. E tão somente três dias depois, dá-se a maior tragédia do joshi no passado recente: Hana Kimura sacrifica a própria vida após ser vítima de cyberbulling em virtude da sua participação no conhecido reality show Terrace House, ela própria estando a ser preparada para ser a próxima figura de proa da STARDOM para esta década e contando apenas 22 anos de idade.
A sombra da trágica morte de Hana Kimura vai, aos poucos, deixando
de pairar (pelo menos de uma forma tão permanente) e a STARDOM atravessa um
período relativamente pacífico em termos de estabilização do seu roster. Não
perde talentos para a concorrência e não vê finais de carreira antecipados até
Fevereiro deste ano, quando Himeka decide dar por terminado o seu percurso na
modalidade – algo que aconteceu a 28 de Abril passado, com o último combate a
ter lugar no evento Jumbo Forever! da Pro Wrestling WAVE.
Como disse mais acima, os casos de Hiromi Mimura e Hazuki não
foram alvo de grande comoção popular – pelo menos é a impressão que dá – mas,
pelo que tive oportunidade de ir vendo, o adeus de Himeka mexeu com muitos fãs,
eu incluído.
Há toda uma dinâmica de renovação no wrestling que o torna um fenómeno interessante de acompanhar, isto se pormos de lado as dez mil razões que já estou implicitamente “farto” de enumerar.
Mas no caso do joshi,
essa dinâmica parece ser ainda mais evidente, isto porque, até há uns anos
atrás, parecia estar em constante evidência. Wrestlers que eram ainda jovens
(mas que estavam no auge da carreira e sentiam que já tinham feito tudo o que
achavam possível) saíam, para que as novas gerações pudessem entrar, brilhar,
sair e dar espaço, com o ciclo a repetir-se a cada três, quatro anos.
Pela forma como explicou essa decisão, Himeka pareceu querer seguir este mesmo caminho – o da renovação. Ela nunca se sentiu capaz de ser uma peça fundamental da equação STARDOM (como são Utami Hayashishita, Giulia, como foi Arisa Hoshiki e como teria sido Hana Kimura) e sempre teve a humildade de reconhecer que, embora lhe tenha faltado um push individual, se calhar havia outras wrestlers mais merecedoras disso do que ela.
E nem sequer era por uma questão de falta de capacidade ou
de sobrestimação: Rossy Ogawa por várias vezes quis arranjar para Himeka o
proverbial lugar ao sol. Mas o público sempre a conheceu como uma das metades
da sumarenta laranja conhecida por MaiHime, que durante anos deu brilho ao
fértil pomar que foi – e espero que continue a ser – a stable conhecida
por Donna del Mondo. Talvez ela se sentisse realizada nesse papel.
Podemos sentir-nos tentados a dizer que Himeka terá tido
alguma falta de ambição, porque normalmente uma carreira no wrestling quer-se
sempre feita no sentido da progressão e nunca da estagnação. Mas esse,
sinceramente, não é um argumento com o qual eu vá concordar muito. Mesmo que
nunca tenha tido a predisposição para ser uma das principais figuras da STARDOM
a nível individual, Himeka termina o seu percurso com um reinado como Goddess
Tag Team Champion e outro como Artist of STARDOM Champion (remember MaiHimePoi?).
Para além disso, foi figura de destaque numa das melhores formações da DDM que incluiu, para além da líder Giulia, a Toxic Spider Thekla, a atual Goddess of STARDOM Tag Team Champion MIRAI e uma das vencedoras do 5 STAR GP e ex-World of STARDOM Champion Syuri.
Portanto, seria mais assertivo
dizer que Himeka contribuiu, em maior ou menor medida, para que pelo menos duas
das suas (ex)-companheiras de stable ganhassem destaque nesta altura do
campeonato. E isso é tão ou mais valioso do que ganhar um título.
O adeus de Himeka (cuja cerimónia de despedida acontece amanhã, num Korakuen Hall onde se espera ter lotação esgotada) mexeu comigo não só por esse aspeto, por essa ideia errada que fica de que poderia ter tido uma carreira melhor, mas também porque é uma wrestler que termina o seu percurso em plena primavera da vida.
Não revelando a minha idade – por motivos óbvios – posso dizer que, se
falarmos da linha do tempo, a Himeka é minha contemporânea, tendo nesta altura
25 anos de vida. Ora, nenhum fã fica feliz por ver uma wrestler com
tanto talento arrumar as botas por vontade própria aos 25 anos, mas ao menos
encontra conforto no facto de ser uma decisão da qual a própria Himeka não se arrepende.
Penso que é justo dizer que Himeka nunca perdeu o controlo da
sua carreira, no sentido em que este percurso pareceu gozar da grande virtude
que é ter sido terminado quando a própria wrestler quis que fosse e como
fosse. Muitos wrestlers não chegam, sequer, a ter essa hipótese: Ou
porque o corpo diz que não dá mais, ou porque, infelizmente, fazem a travessia
para o Olimpo do wrestling antes do devido tempo.
E, por último, uma palavra para a própria Himeka: Arigato gozaimasu. Obrigado. Por teres sido parte de tantas horas que passei à frente do ecrã a tentar esquecer por um bocadinho os momentos ou dias menos bons que tive.
Pela
forma como, com humildade, entregaste o teu corpo para que nós nos divertíssemos.
Ficam os “e ses…” e a esperança de voltares um dia. Mas se não voltares, ficamos-te
agradecidos na mesma. És e serás sempre parte da grande família do wrestling,
metade das MaiHime, pedacinho das DDM. És e serás sempre a nossa Jumbo Princess.
Sugiram temas, deixem comentários, contem-me os vossos momentos
favoritos da carreira da Himeka… tudo isso. Para a semana cá estarei, e conto
com vocês para honrarmos a memória da Hana Kimura, quando vão passar na
terça-feira (23) três anos da sua triste e inesperada partida.
Até para a semana, gente boa!