Lucas Headquarters #63 – A queda de um anjo
Na edição de hoje podia falar sobre muita coisa. Podia falar sobre a Goddess of STARDOM Tag League (que começa já depois de amanhã, 23, e vai até ao dia 4 de Dezembro) e podia falar sobre a forma como a Sasha Banks se anda a “fazer” a combates com nomes como KAIRI ou Miyu Yamashita.
Provavelmente, um destes assuntos cairia em sorte na edição desta semana, mas, antes que eu pudesse fazer prognósticos para a Tag League (let’s go Mafia Bella) ou puxar do meu sarcasmo para opinar sobre estas atitudes da Sasha, surgiram informações de última hora que me levam a escrever uma espécie de sequela àquele artigo em duas partes que publiquei há umas semanas e que intitulei, apropriadamente, de “Guerra Civil na AEW”. Se ainda não o leram e quiserem compreender melhor o que se vai discutir nesta sexagésima terceira edição, podem fazê-lo clicando neste link.
Basicamente, na primeira parte desse artigo, analisei o clima
de tensão que envolvia CM Punk, os Young Bucks, Adam Page, Kenny Omega, entre
outros intervenientes. E na altura, ainda sem saber muito bem quais seriam as
ramificações de toda esta história, coloquei Punk no fio da minha proverbial
navalha.
“Se ainda não tinha ficado claro pela forma pouco amigável com que saiu da WWE, penso que agora toda a gente se terá apercebido que CM Punk é possuidor de um ego apenas comparável ao do futebolista sueco Zlatan Ibrahimovic”.
A afirmação supracitada foi, no meu próprio ponto de vista, das mais fortes e, quiçá, corrosivas que escrevi sobre um wrestler em quinze anos que levo a acompanhar esta modalidade. Mas, se na altura podia parecer que estava a exagerar (porque se calhar havia a esperança de que esta história tivesse um final feliz) se calhar, olhando para trás, toda a corrosividade que envolve aquela passagem talvez se justifique. E é uma pena que assim seja.
Mas, e é preciso que se diga isto, o culpado de toda esta
situação é só um, e, por incrível que pareça, nem sequer é Tony Khan, nem a sua
falta de liderança ou o seu parco pulso firme.
Estamos a falar de um gajo que subiu a pulso na WWE em meados da primeira década do século, mas rapidamente se tornou um dos heels mais desprezados e um dos faces mais adorados do público. Com um move-set que cativava pela agilidade, rapidez, pela origem nas artes marciais e pela propensão ao voo (esse elemento que hoje cativa mais um fã do que uma história contada como deve ser), CM Punk destacava-se, sobretudo, por ser um iconoclasta.
Basta, por isso, ver que quando era heel quase sempre pegava em assuntos da sua vida real (como a filosofia straight edge que ele próprio segue) para se afirmar como superior a tudo e todos, e quando era face analisava, de forma credível, a estratégia dos adversários, com base nas sensações que estes despertam quando alguém está no mesmo ringue que eles.
Mas uma coisa é ser-se um iconoclasta apenas e só para
inglês, americano, português ou espanhol verem, durante três horas de wrestling
em todas as suas vertentes. Outra coisa é quando se leva esse conceito para
lá do kayfabe pouco existente, interferindo com decisões feitas a pensar
no melhor para a empresa. E foi assim que CM Punk sai, em 2014, da WWE,
aparentemente em litígio com os responsáveis da companhia.
Uma das razões para esse litígio era o facto de nunca ter sido main-eventer de uma Wrestlemania. E logo aqui se vê que a sua ideia de “iconoclasta” foi levada demasiado longe, porque ao longo da história da companhia houve vários wrestlers da WWE que não foram main-eventers do Maior Evento do Ano (alguns nem Campeões Mundiais foram) e acabaram por ser dos melhores wrestlers de sempre. Roddy Piper é disso exemplo.
Oito anos depois, o cenário litigioso volta a repetir-se, desta vez com uma companhia diferente, “comandada” por um magnata diferente, com implicações diferentes, mas com reações bastante consensuais. Se em 2014, muita gente dividia as suas opiniões entre tomar partido de Punk e tomar partido da WWE, em 2022 toda essa gente parece concordar que CM Punk perdeu toda a razão que tinha e pode ter manchado de forma indelével um legado que demorou anos a construir.
Eis que, nas últimas horas, surgiu a hipótese puramente especulativa de que CM Punk poderá estar de volta à WWE, sobretudo porque nas últimas horas a AEW está a tentar rescindir o seu contrato. E isso, por si só, não seria surpreendente do ponto de vista da gestão do negócio, mas levantaria muitas sobrancelhas tendo em conta as duras críticas que ele próprio dirigiu à companhia na hora da sua saída.
E há aqui uma diferença decisiva: Cody Rhodes, quando esteve na AEW, também por várias vezes criticou a companhia que agora lhe dá emprego (quem não se lembra daquele incidente em que destruiu, ao vivo e a cores, o trono de Triple H no Double or Nothing 2019?). Mas nunca, em momento algum da sua carreira, me parece ter havido um litígio de tal ordem grave entre as duas partes, o que justifica o seu regresso no início deste ano.
A questão é que o legado de CM Punk está agora mais tremido
do que nunca, a sua reputação no mundo do wrestling está em níveis historicamente baixos, a sua
popularidade junto dos fãs é quase nula e no balneário da AEW falar de CM Punk
é pecado capital. CM Punk não é homem para andar à procura de uma proverbial
tábua de salvação, parece-me a mim que Phil Brooks é homem de ideias fixas.
Mas, na eventualidade de existir essa hipótese, poderia um regresso à WWE salvar
a carreira de CM Punk?