Lucas Headquarters #60 – Antonio Inoki (1943-2022): O wrestler mais transcendental de todos
Ora então boas tardes, comadres e compadres!! Bem-vindos
sejam a mais uma edição do “Lucas Headquarters” aqui no WrestlingNotícias, neste
sábado, primeiro dia de Outubro, que fica marcado pela partida de uma das mais
influentes e transcendentais personalidades de todo o wrestling, e do wrestling
japonês em particular.
Antonio Inoki, wrestler, político, artista marcial,
fundador da New Japan Pro Wrestling, enfim, um homem dos sete ofícios, faleceu hoje,
aos 79 anos, vítima de uma doença conhecida como amiloidose (que afeta o coração
e os pulmões e cuja incidência é maior e mais comum em idosos). O mundo do wrestling
está, naturalmente, unido no luto pela perda de uma das maiores personalidades
de sempre desta modalidade, e eu quero também associar-me a esta causa.
Portanto, o artigo de hoje, apesar de parecer tristonho
(tendo em conta que chegámos às 60 edições) reveste-se, também, de uma certa
alegria, no sentido em que a minha proposta para este Sábado é que vocês viajem
comigo e recordemos uma vida fascinante, cheia de wrestling, combates
inesperados (já lá iremos!) e que reflete uma contribuição intemporal não só
para o wrestling nipónico, como também para a sociedade das Terras do
Sol Nascente no geral.
Antonio Inoki nasceu com o nome de Kanji Inoki em Yokohama,
no Japão, corria o dia 20 de Fevereiro de 1943 e já o seu país natal andava
entretido no conflito mais sangrento do século XX. Era o sexto filho de onze, e
o segundo mais novo de todos. O pai, Sajiro, morreu quando o jovem Kanji
contava apenas cinco anos, e o pequeno pareceu encontrar no desporto a sua
forma de vida, tendo aprendido Karaté, Basquetebol e Atletismo.
Aos 14 anos, e com a devastação japonesa do pós-guerra ainda
bem presente, Inoki e a família emigram para o Brasil, onde este continua a sua
formação atlética, destacando-se no lançamento do disco e também no lançamento
do dardo. No entanto, o wrestling seria a sua rampa de lançamento para o
sucesso, e ditaria grande parte do seu percurso de vida.
Estamos em 1971. Inoki é despedido da Japan Pro Wrestling Alliance por planear comprar a companhia, mas não é isso que o demove do objetivo de passar a ter um papel mais influente no mundo do emergente puroresu. Então, a 13 de Janeiro de 1972, Antonio Inoki cria uma das maiores companhias do wrestling atual, a New Japan Pro Wrestling (NJPW), com o seu primeiro combate a ser contra Karl Gotch e o primeiro evento, apropriadamente nomeado Opening Series, a ter lugar dois meses depois da fundação, a 6 de Março.
1976: A guerra dos mundos
Antonio Inoki já tinha feito um pouco de tudo. Tinha sido wrestler
na década de 60, e pai fundador de uma nova companhia nos anos 70. Mas
faltava-lhe mais qualquer coisa… ah, sim: partilhar um ringue com um dos maiores
desportistas de sempre. E é aqui que entra Muhammad Ali.
Em 1975, Ali era recebido em apoteose nos Estados Unidos, já com o estatuto de um dos maiores boxers da sua época. Foi apresentado ao influente wrestler Ichiro Hatta, a quem perguntou, com certas doses de sobranceria, se haveria alguém dos lados do Oriente capaz de o desafiar, com a recompensa de um milhão de euros caso o wrestler oriental o derrotasse. A atitude confiançuda de Ali caiu com enorme estrondo no Japão, e Inoki acabou por aceitar o desafio.
E assim chegamos a 26 de Junho de 1976, e a um dos combates
mais aguardados de todos os tempos. De um lado, Muhammad Ali, que um mês antes
tinha vencido Richard Dunn por KO; do outro, o corajoso Inoki, que andava numa
espécie de tour contra vários campeões das Artes Marciais com o intento
de mostrar a valia do pro wrestling.
Num combate que decorreu segundo as regras das Artes Marciais
hibridas, Inoki pontapeou as pernas de Ali num total de 107 vezes, mas tirou vantagem
de uma regra especial negociada antes do combate ter lugar e fugiu à
desqualificação. Com arbitragem de Gene LeBell, o combate teve quinze assaltos
e terminou empatado, sendo o seu resultado alvo de um intenso debate e a luta
em si vista como percursora daquilo que hoje é a era moderna do MMA.
Como se a década de 80 não tivesse já passado por mudanças
suficientes em todo o mundo, Antonio Inoki decidiu, também ele, alargar a sua
influência para lá do wrestling e dos desportos de combate. Assim, funda
o Partido dos Desportos e da Paz e, em Julho de 1989, já Akihito era Imperador do
Japão, Inoki segue os passos do pai e concorre às eleições à Casa dos
Conselheiros pelo partido que fundou, conseguindo um lugar.
Destaca-se, sobretudo, pelas missões de diplomacia que desenvolve
no período anterior à Guerra do Golfo e pela libertação de 36 dos 41
compatriotas japoneses que estavam em cativeiro no Iraque, em resultado de um
evento de wrestling que ele próprio organizou. Consegue, em 1992, reter
o seu assento na Casa dos Conselheiros, mas, abalado pelos escândalos de que é
alvo em 1994, falha nova retenção no ano seguinte.
Dezanove anos depois, em 2013, já com honras de ser um dos
mais influentes cidadãos japoneses da história recente, Inoki concorre de novo
à Dieta Nacional, desta vez representando o Partido da Restauração do Japão (o
partido dos desportos e da Paz foi extinto em 2006). Esta segunda passagem pela
política foi bem menos frutífera do que a primeira, e o único destaque vai para
a sua intenção de concorrer ao cargo de governador de Tóquio em 2014.
Antonio Inoki: O wrestler mais transcendental de todos
Em resumo, 79 anos de uma vida toda ela dedicada ao wrestling
e desportos de combate. Para além disso, duas passagens pela política em
dois séculos diferentes, e um papel diplomático comparável ao de um político de
grande nomeada internacional. Graças ao seu trabalho no wrestling é
possível apreciarmos empresas como a NJPW e vermos no nosso ecrã wrestlers como
Shinsuke Nakamura. Mas o que torna Antonio Inoki tão transcendental ao fim de
quase oito décadas de uma vida tão intensa?
A resposta a essa pergunta não se prende com o número de
atividades que desempenhou ao longo da vida, mas com a influência que todas
elas trouxeram. Desde o papel no estabelecimento do wrestling no Japão
até aos esforços diplomáticos nos quatro cantos do mundo, Antonio Inoki será
sempre recordado pela forma quase irrepreensível como influenciou a sociedade
japonesa, abrindo, com isso, as portas do Japão a fascinantes mundos que vão
para lá daquilo que era possível pensar que existia no Japão do seu tempo.
Descansa em paz, Inoki-san!
Até para a semana, pessoal!