Lucas Headquarters #215 - Nor “Phoenix” Diana: Rompendo tabus, um combate de cada vez
Ora então boas tardes, comadres e compadres!! Como estão?
Bem-vindos sejam a mais uma edição de “Lucas Headquarters” aqui no
WrestlingNotícias!! Brrrr… que só de estar a escrever o artigo de hoje já estou
a bater os dentes com frio!! E vocês? Também já estão a tremer com as
temperaturas abaixo da média (para não dizer abaixo de zero)? Sim? Então vá,
relaxem, acendam a lareira, vão buscar uma caneca de chocolate quente e
juntem-se aqui ao nosso estaminé, porque a edição de hoje vai ser bastante…
curiosa, no mínimo, e sem dúvida uma edição que espero que gostem tanto de ler
como eu de escrever.
Aviso, desde já, que a edição desta semana poderá vir a
conter altas doses de filosofia, bem como um reacender do utópico desejo de um
mundo mais justo, solidário e, acima de tudo, inclusivo. No fundo, esse desejo
por justiça é algo com o qual nunca paramos de sonhar e de querer alcançar
(muito embora seja um tanto quanto utópico, e acho que todos nós temos noção
disso).
E reparem que esse desejo por justiça ganha forma numa coisa
tão simples como ver wrestling, ver
futebol, ver os noticiários. Quantas vezes, quando vemos o produto da WWE, da
AEW, da STARDOM, da MARIGOLD… quantas vezes olhamos para um wrestler que sabemos que é bom, mas que
está a sofrer mau booking por parte
da empresa, e damos por nós a pensar: “se
fosse eu, fazia desta forma!”, “se
fosse eu, punha o wrestler X contra o wrestler Y porque coiso e tal”, “se fosse
eu, punha este ou aquele wrestler a lutar por este título porque A e B e C”.
Quantas vezes, quando estamos a ver futebol e a nossa equipa
está a perder ou está empatada, não começamos a deixar transparecer aquele ar
de impaciência de quem vê o tempo a correr e sabe que não há meio de marcarem o
golo decisivo, que pode ser a diferença, por exemplo, entre ganhar o Campeonato
e ficar em segundo lugar. E depois começamos a gritar, como se percebêssemos
mais da coisa do que o treinador sentado no banco: “Mete aquele gajo! Mete o outro! Tira aquele!”.
Quantas vezes, quando vemos os noticiários, quase sempre
repletos de notícias a dar conta de catástrofes individuais e coletivas – não
só porque são os sinais dos tempos que vivemos, mas também porque representam
uma inesgotável fonte de audiências, que por sua vez geram lucro, e que por
conseguinte permitem que o canal continue a manter os supostos “critérios de
qualidade”, seja lá o que isso for – não ficamos assaltados por um desejo quase
insaciável de mudar o rumo das coisas, de mandar recursos para quem sofre com
os efeitos da guerra, de mandar comida para os que sofrem com fome, de salvar
crianças que vivem em cidades completamente destruídas pelos conflitos…
Tudo isso é uma manifestação desse desejo de justiça de que
vos falo. Reparem que eu comecei esta série de exemplos a dizer que um dos
cenários mais simples onde esse desejo de justiça é manifestado é no simples
ato de ver wrestling. Para muitos,
isto pode até parecer algo insano, até porque – e recuperando um pouco aquilo
que foi o início da edição de há uma semana – o wrestling é muita coisa e para uns, quer dizer, para a grande fatia
de pessoas que desconhece realmente o que é wrestling,
pode até ser teatro. Mas acreditem: Não há desporto (ou arte, se preferirem
chamar-lhe assim) em que a justiça e a inclusão se manifestem mais do que no wrestling.
Recuperando aqui o paralelismo com o futebol, há clubes que
são fundados com base em ideais mais conservadores, tradicionalistas até, e
outros que são fundados com base em valores mais liberais, diria até mais
vanguardistas, por pessoas que estavam – ou estão – muito à frente dos cânones
da época.
No wrestling isso
não se verifica. Vocês podem vir de um país que pode ser muito mais conservador
a nível dos ideais sociopolíticos e que tem pouca – ou nenhuma – cultura a
nível deste desporto, mas se esse país tiver um promotor, uma academia ou um
sítio onde vocês possam treinar, então já têm condições para perseguir esse
sonho. Portugal é o mais perfeito exemplo de um país que já consumiu muito wrestling num passado não tão distante
assim, mas que hoje em dia já não tem tanta cultura a esse nível. Se não fosse
o Wrestlefest e os casos de sucesso de nomes como Killer Kelly na TNA ou de
Shanna que passou pela AEW, provavelmente Portugal seria um perfeito
desconhecido para o mundo do wrestling.
Nos últimos tempos, surgiu um caso de uma outra wrestler que está a colocar sobre si os
olhos deste nosso pequeno mundo. Uma wrestler
que vem de um país com uma cultursa que é diametralmente diferente da nossa
em tudo (não vale a pena estar a esmiuçar aqui em quê, acho que vocês percebem),
mas que está a aprender a unir-se em volta desta paixão que é o wrestling.
E nos tempos ideologicamente melindrosos em que vivemos, acho
especialmente importante falar neste nome depois do grande combate que teve há
uma semana. Porque o meio onde crescemos e os valores que nos incutem, quando
falamos de wrestling, não separam,
unem. Não nos dividem, tornam-nos num só.
Diretamente da Malásia para o mundo do wrestling, Nor “Phoenix” Diana!
Quem é Nor “Phoenix”
Diana?
Nor “Phoenix” Diana é, simplesmente, a primeira wrestler feminina a tomar a corajosa
decisão de quebrar preconceitos e lutar de hijab,
refletindo não só o orgulho no seu país, mas também nos valores sobre os quais
este se funda.
O caso de Nor “Phoenix” Diana é um caso que é, em tudo,
semelhante aos vários casos de joshi
wrestlers que vemos um pouco por todo o Japão: Wrestlers que começam cedo (às vezes demasiado cedo, mas isso é
questão para outro dia) e que se tornam veteranas numa altura em que muitas
outras wrestlers (isto para não dizer
a grande maioria delas) estão a começar a dar os primeiros passos no ringue.
Nesse sentido – e se quisermos mesmo estabelecer este paralelismo – Nor
“Phoenix” Diana pertence a um estrito clube onde se incluem nomes como AZM,
Starlight Kid, ou as três irmãs Hanan, Hina e Rina.
Nor Diana começou a dar os primeiros passos no wrestling em 2016, mas apenas começou a
lutar de hijab em 2018, tendo lutado
mascarada durante esses primeiros dois anos. Nor Diana fez história na MYPW
(empresa malaia de pro wrestling) ao
competir no primeiro combate feminino de sempre da empresa, perdendo contra
Scarlet Lyd.
Em 2019, Diana voltou a tomar o mundo do wrestling de assalto quando, em 2019, competiu numa five-way contra quatro homens pelo MYPW WrestleCon Championship, combate que venceu e onde se tornou a primeira campeã feminina da História do título, facto que mereceu reconhecimento até dentro da própria WWE, quando Mustafa Ali fez questão de retweetar este histórico feito.
Hey @nordianapw, just read an article about you. Just wanted to let you know I'm super proud of you. Rocking the hijab while wrestling! Insane!
— Mustafa Ali (@MustafaAli_X) July 6, 2019
Super cool time in wrestling with barriers collapsing on a regular basis. Give her some love, y'all.
Respect 🤙 https://t.co/zTS3k00MFR
No entanto, é no decurso desta década que a Phoenix começa a ter sobre si as primeiras luzes da ribalta. Em Janeiro de 2020, pouco antes da pandemia, Nor Diana estreou-se na Pro Wrestling Eve, derrotando Zoe Lucas. No entanto, foi em Dezembro de 2022 que a wrestler malaia escreveu uma das páginas mais douradas da sua carreira, derrotando Steph de Lander (fka Persia Pirotta) para se tornar a primeira APAC Women’s Champion, título que só perdeu na semana passada para Mercedes Moné, mas com o qual teve um reinado histórico de 763 dias. Antes de perder o título no HOG Supercard, Nor Diana já havia derrotado Zayda Steel para se tornar #1 Contender pelo WWEID Women’s Championship, deixado vago por Kylie Rae devido à sua gravidez.
Nor Diana e o “efeito Moné”
E agora alguns dirão – e com alguma propriedade – que por
muito promissora que Nor “Phoenix” Diana seja enquanto wrestler, muita
gente só a conhece por causa do combate que teve com Mercedes Moné. Mas permitam-me
aproveitar um bocadinho o facto de termos também mencionado o combate entre
ambas para dar a César o que é de César.
Eu não sou propriamente o maior fã de Mercedes Moné, acho que ela já teve atitudes um tanto quanto duvidosas no passado – sobretudo no que diz respeito à gestão da sua carreira. Também já deixei claro que a storyline do “belt collector” que é tantas vezes utilizada no wrestling (embora em dimensões muito menores, à data em que este artigo sai, Mercedes já conquistou ao todo catorze títulos) não a favorece, e expus todas as razões porquê. Não vale a pena estar a esmiuçar isso novamente.
No entanto, e porque eu acredito que nem tanto ao mar e nem
tanto à terra, há coisas boas a salvar deste período de glória de Mercedes
Moné. E uma delas, talvez a principal, é este “efeito Moné” que também já
atingiu Nor Diana. Mercedes Moné dignou-se “apadrinhar” a “Phoenix”, dando-lhe
uma plataforma maior para brilhar e fazendo-a ser main eventer de um
evento que, apesar de ter muito (ou quase tudo) de indie, contou com a
presença de nomes consagrados como Nic Nemeth (aka Dolph Ziggler) e
Shayna Baszler.
Não é que se possa dizer que, a partir daqui, tudo aquilo que
Nor conquistar ao longo da carreira se deva à CEO, isso seria negar todas as
dificuldades, desafios e conquistas do seu caminho enquanto wrestler. Mas
é inegável que a sua presença no main event do HOG Superclash lhe trouxe
o reconhecimento que todo o wrestler que esteja na mesma fase de
carreira da “Phoenix” deseja ter: Desde há uma semana até agora, muitas têm
sido as notícias, as entrevistas, os artigos – este incluído – dedicados à sua
carreira. Portanto, também não se pode negar que Mercedes foi, até agora, a
grande impulsionadora do percurso de Diana. E isso será algo que tanto uma como
a outra levarão para o resto do seu percurso.
WWE ou AEW: Onde é que a “Phoenix” voa
melhor?
Pergunta para queijinho, não é?
E aqui a questão adquire um grau especial de complexidade,
que todos nós desejávamos que não existisse. Coloquemos as coisas desta forma:
Os fãs da WWE são, por norma, mais conservadores. São o tipo de pessoal que se
coloca numa bolha e tem muita resistência a lidar com algo que saia fora da sua
norma. Por tudo aquilo que foi e tem sido o percurso de Nor Diana, penso que
essa bolha lhe criaria alguma resistência que Diana não encontraria na AEW.
No entanto, a própria Nor Diana já participou num combate
inserido no programa WWEID (o tal combate onde enfrentou Zayda Steel pelo
direito a ser #1 Contender ao WWE ID Women’s Championship) e creio que a
própria WWE poderá ver em Nor Diana uma wrestler com a qual tem mais a
ganhar do que a perder, uma vez que conseguirá captar público no mundo árabe
(completando assim o trabalho que tem feito com os shows na Arábia
Saudita) e poderá, pelo menos, tentar livrar-se de uma ou outra polémica, dando
a imagem de uma empresa mais aberta e inclusiva.
Pessoalmente, e por já ter estado envolvida no WWEID, eu
penso que Nor Diana encaixaria melhor na WWE, mais não seja por uma questão de
consistência do seu trabalho. Mas eu penso que a beleza da sua carreira está
precisamente em deixar a sua marca nos vários eventos de várias empresas.
Porque para ela, refutar preconceitos e derrubar muros é tão importante como
ser main eventer num PPV de wrestling.
Acredito piamente que Nor “Phoenix” Diana poderá, a este
ritmo, conseguir aquilo que nenhum wrestler até hoje conseguiu: Fazer
esquecer o que divide os fãs e atrair atenções para o que os une,
independentemente da empresa. Porque o wrestling é tão mais bonito
quando nos unimos e o apreciamos por aquilo que ele é. Não tenho dúvidas que,
daqui a 15-20 anos, estaremos a falar de Nor “Phoenix” Diana como alguém que
fez história porque foi talvez a única wrestler que, pela primeira vez
em muito tempo, nos abriu os olhos para o que realmente interessa.
E vocês, já conheciam o trabalho de Nor “Phoenix” Diana? Até
onde acham que poderá chegar?
E assim termina mais uma edição de "Lucas
Headquarters"!! Não se esqueçam de passar pelo nosso site, pelas nossas
redes sociais, deixar sugestões aí em baixo... o habitual. Para a semana cá
estarei com mais um artigo!!
Peace and love, até ao meu regresso!!







