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Lucas Headquarters #214 – Eddie Guerrero (1967-2005): Vinte anos sem sentir calor latino


O wrestling é muita coisa. Para uns, teatro. Para outros, cinema. Para quase todos, entretenimento. E, para uma pequena fatia, talvez ainda seja tão real como no primeiro dia em que demos de caras com este pequeno mundo.


Mas há datas e momentos em que a realidade bate demasiado fundo. Há circunstâncias e acontecimentos que marcam, para sempre, a história desta fascinante indústria, seja para melhor, ou para pior. Dias que, independentemente das emoções que nos provocam – sejam elas tristeza, alegria, espanto, repúdio… - ficam para sempre gravados na nossa memória.


Muitos desses dias são, também, pequenos passos na construção das futuras gerações do círculo quadrado. Por exemplo, muitos de vocês ainda se lembram do dia e da circunstância exata em que viram o vosso wrestler favorito lutar pela primeira vez. Quase de certeza que alguém que está a ler este artigo a esta hora se tornou wrestler ou entrou dentro da indústria do wrestling num outro papel por causa desse wrestler.


Mas e quando há datas e momentos que batem demasiado fundo sem que estejamos à espera que aconteçam? E se somos apanhados de surpresa pelo choque que é a dor de uma perda de alguém que tinha marcado a indústria nos últimos três a quatro anos, isto tudo sem que a existência da internet nos prepare para o impacto desta perda?


Foi assim que muitos de nós nos sentimos no dia 13 de Novembro de 2005. Em choque, mudos de espanto, desamparados. Se calhar ainda mais desamparados porque, como eu dizia ainda agora, nessa altura ainda não tínhamos a autoestrada a que chamamos internet e que, hoje em dia, perante uma morte de um famoso que admiramos, nos permite recordar os melhores momentos da sua vida e da sua carreira através de vídeos, artigos, do simples ato de voltarmos a ver séries ou filmes que os lançaram para a fama ou que lhes marcaram a carreira.


Foi, para muitos, o dia em que a aventura no mundo do wrestling chegou ao fim. Muita gente não foi capaz de superar a perda, tal era a popularidade do wrestler em causa. Muita gente ainda arranjou forças para continuar – porque no wrestling como em tudo nesta vida, o show tem de continuar, por mais insensível e frio que isso nos pareça – mas acabou por não aguentar. E já vos falarei de um caso muito famoso, de um indivíduo de quem eu finalmente ganhei coragem para falar aqui no espaço há pouco mais de quatro meses.


13 de Novembro de 2005 mudou a indústria do wrestling para sempre. Como o 24 de Junho de 2007. Como o 24 de Agosto de 2023. Mas, a 13 de Novembro de 2005, deu-se provavelmente aquela que foi a primeira grande perda de grande parte dos integrantes daquela geração que ainda vê wrestling hoje em dia. A 13 de Novembro de 2005, morria Eddie Guerrero.



Compreendo que, para muita gente, a perda de Eddie Guerrero ainda hoje seja motivo de grande choque. Acabado de completar 38 anos (nasceu a 9 de Outubro de 1967), estava, portanto, na flor da idade… Atravessava a melhor fase da carreira, em Fevereiro de 2004 tinha assinado um dos momentos mais emocionantes de sempre na WWE, protagonizando uma promo na antecâmara do seu combate pelo WWE Championship contra o então campeão Brock Lesnar no No Way Out desse ano.


Nesses poucos minutos em que falou o microfone, Eddie Guerrero transformou um momento que, até ali, era de gozo (com Brock Lesnar a contratar um quarteto mariachi para fazer pouco das origens mexicanas do candidato principal) num testemunho de emoção nua e crua, expondo a alma para milhares de pessoas na arena e outros tantos milhares a ver em casa. A promo foi tão poderosa, real e emocionalmente intensa que, a certo ponto, chegou a emocionar o próprio Brock Lesnar, algo impensável num tempo em que o kayfabe ainda era um conceito para ser levado muito a sério.




Dali até ao WWE Championship foi um pulinho, com Eddie Guerrero a confirmar que, às vezes, temos que cair sete vezes para nos levantar oito. Para a história ficam também os momentos que se sucederam à sua primeira defesa do título na WrestleMania XX, onde após ter derrotado Kurt Angle, celebrou a vitória em ringue ao lado de Chris Benoit, o seu melhor amigo de sempre, que havia acabado de conquistar o World Heavyweight Championship momentos antes. Foi um dos momentos mais marcantes da história do wrestling, ainda hoje recordado pela grande maioria dos fãs, e que encerrou em beleza uma noite, também ela, histórica por muitos motivos.





Chegados àquele 13 de Novembro de 2005, a carreira de Eddie Guerrero ia novamente de vento em popa: Depois de um curto (mas também marcante) período como heel em que voltou a entrar em feud com Rey Mysterio sobre a famosa “custódia” do então muito jovem Dominik, o Latino Heat tinha acabado de consumar um face turn havia um mês em meio a uma feud com o então World Heavyweight Champion Batista (outro dos seus grandes amigos), tinha tido aquele que acabou por ser o último combate da sua vida havia dias (nas gravações do SmackDown, onde enfrentou Mr. Kennedy por um lugar na equipa da brand azul) e estava escalado para voltar a ser Campeão Mundial dali a um mês.





Portanto, se há frase que marca estas duas décadas sem Eddie Guerrero, essa frase é, sem dúvida, um enorme “what could’ve been?”. Se ele tivesse vivido para ser campeão, como seria o seu reinado? E futuras rivalidades com a nova geração que estava a aparecer naquela altura? Como teria ele reagido às mudanças no mundo do wrestling que ainda hoje se fazem sentir? Se é verdade que nunca saberemos ao certo, também é verdade que ele teria influência suficiente para conseguir, pelo menos, evitar certos acontecimentos que marcaram a indústria depois da sua morte. Para já, podemos ainda hoje ver a sua marca, sobretudo através dos wrestlers que influenciou – e muitos foram eles.


Os wrestlers que Eddie Guerrero influenciou: O 

caso de Mercedes Moné



Eddie Guerrero ainda hoje é responsável por trazer para o pro wrestling muitos dos talentos que compõem a atual geração, mas talvez o caso mais conhecido e amplamente divulgado de wrestlers que sofreram uma enorme influência do Latino Heat seja o da “CEO”, Mercedes Moné.


E a ligação da jovem Mercedes com Eddie Guerrero começa, contra todas as expectativas, dias depois da sua morte. A WWE gravou programas especiais do RAW e do SmackDown em tributo a Eddie, e Mercedes estava entre o público num desses shows, sem perceber que o seu wrestler favorito já não fazia parte deste mundo.




Desde aí, grande parte do percurso da jovem wrestler foi dedicado a prestar homenagem àquele que ainda hoje continua a ser o seu ídolo. Desde a inclusão dos Three Amigos e do Frog Splash (moves caraterísticas de Guerrero) no seu move-set, até à entrada com o low rider numa edição do Dynamite de Maio passado, sem esquecer o ring gear que utilizou no combate contra Becky Lynch e Charlotte Flair na WrestleMania 32: Toda a carreira de Moné é um reflexo do quanto Eddie Guerrero a influenciou e da gratidão que tem pela sua carreira e pelo seu trabalho.




Teria Eddie Guerrero conseguido salvar Chris 

Benoit?





Finalmente ganhei coragem para abordar o caso Benoit aqui nos Headquarters no passado mês de Julho, e deixei no ar a ideia de que grande parte daquilo que aconteceu com o Rabid Wolverine se deve ao brutal impacto que o repentino falecimento de Guerrero deixou. Chris Benoit e Eddie Guerrero eram melhores amigos, já haviam partilhado ringues dentro e fora da própria WWE, e a reação do próprio Benoit – um choro copioso amplamente captado pelas câmaras durante o início do primeiro RAW após a sua morte – deixava antever um homem não só profunda e naturalmente abalado, mas alguém para quem a vida deixara de fazer sentido.



Pode dizer-se que Benoit morreu mental e emocionalmente com o seu melhor amigo, e o tempo tratou de o confirmar: Ainda nem dois anos haviam passado sobre o falecimento do Latino Heat, e Benoit seria protagonista de um dos crimes mais macabros das últimas décadas, que marcaria a WWE de tal forma que a empresa se via obrigada, pouco tempo depois, a favorecer uma programação mais familiar em detrimento de um produto mais agressivo e apelativo a públicos mais velhos.


Dezoito anos depois da tragédia que envolveu o canadiano, ainda há muita gente que se pergunta, nas suas cabeças, se Chris Benoit ainda estaria cá caso Eddie Guerrero estivesse entre nós.


Responder a essa pergunta é um exercício arriscado. Benoit poderia estar a sofrer de depressão ainda antes da morte de Eddie, e nesse caso, a resposta óbvia seria não. No entanto, se a morte de Eddie significasse o desencadear de um estado mais depressivo… então talvez as coisas tivessem sido diferentes se aquele 13 de Novembro de 2005 nunca tivesse acontecido. Uma coisa é certa: A morte de Eddie Guerrero não é desculpa para tão hediondo ato, mas pode dizer muito mais que o ato em si.


Que legado nos deixa o “Latino Heat”?



Esta é aquela pergunta que é sempre inevitável quando falamos da morte de alguém. Que legado nos deixa? Que lições, para o bem e para o mal? Como é que imaginamos que gostaria de ser recordado?


No caso de Eddie Guerrero, creio que o legado que nos deixa é o de um homem que foi constantemente testado – quer pelas circunstâncias da vida, quer pelas consequências de certas escolhas menos abonatórias – mas que nem por isso deixou de ser um exemplo de resiliência e de perseverança na adversidade. Se pudéssemos resumir a vida e a carreira do Latino Heat em poucas palavras, não haveria melhor exemplo do que aquela promo pré-No Way Out de 2004 frente a Brock Lesnar: Um homem que reconhece as falhas, que sabe que o caminho para sair do fundo do poço é dos mais duros que existe, mas que, com fé e esforço, acabou por conseguir.

A vida de Eddie Guerrero deixa-nos uma poderosa mensagem: Os demónios que nós enfrentamos ao longo da nossa vida não têm poder sobre nós, mas, ao mesmo tempo, cabe-nos a nós escolher se os queremos enfrentar ou não. Seja como for, no caso deste marcante wrestler, eu quero acreditar que o facto de ter enfrentado tantos demónios ao longo da vida e da carreira ainda acrescentou mais valor ao seu percurso. 


Talvez um Eddie Guerrero livre de adversidades tivesse sido apenas um wrestler entre tantos outros. Mas assim, acabou por ser modelo para toda uma geração. Acabou por ser bitola para o que muitos wrestlers querem ser hoje em dia. Mas mesmo que a bitola seja essa, alguém tão único como o Eddie Guerrero? Apenas ele mesmo.


Descansa em paz, Latino Heat. Viva la Raza!!


E assim termina mais uma edição de "Lucas Headquarters"!! Não se esqueçam de passar pelo nosso site, pelas nossas redes sociais, deixar sugestões aí em baixo... o habitual. Para a semana cá estarei com mais um artigo!!


Peace and love, até ao meu regresso!!

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