Lucas Headquarters #208 – AJ Lee, AJ Lee…
“AJ Lee,
AJ Lee,
De lótus azul, ópio do povo,
Jaguar perfumado, tigre de papel…”
Ups, referência errada.
Ora então boas tardes, comadres e compadres!! Como estão? Há já algum tempo que não nos víamos, não é verdade? Sejam bem-vindos a mais uma edição de “Lucas Headquarters” aqui no WrestlingNotícias!!
E então, tiveram saudades minhas? Pois bem, acontece que
tirei uns belos e merecidos dias de descanso para ir laurear a pevide sabe-se
lá para onde. Durante o Verão, vocês também foram para os sunsets, para
os arraiais, pôr o rabo de molho (literalmente) em águas que talvez até seriam
de bacalhau, enquanto que aqui este vosso criado não deixou de picar o ponto,
semana após semana, com artigos fresquinhos.
Devo dizer que, durante estes dias, tentei desligar
completamente de tudo aquilo que tivesse a ver com wrestling –
supostamente, seria esse o objetivo de umas férias em família num sítio
diferente. Devo admitir, também, que ando algo desligado deste desporto há já
umas valentes semanas – e antes que me perguntem e que se manifestem com cara
de preocupados (que eu até acho natural): Não, eu não deixei de gostar de pro
wrestling, a paixão por este nosso pequeno mundinho ainda segue viva aqui
dentro. Mas este último mês foi extraordinariamente ocupado a nível de outras
paixões que vou alimentando em off. Mas Setembro é, como diz o adágio
popular – e com pleno valor de verdade – o “mês dos recomeços”, e, portanto,
também é a altura ideal para eu voltar em pleno ao consumo desta arte e deste
desporto.
Por falar em recomeços, vocês certamente lembrar-se-ão, aí há
quase dois anos (Novembro de 2023), do regresso de CM Punk à WWE. Foi um dos
maiores – e, no entanto, mais previsíveis – plot twists dos últimos
anos, tendo em conta tudo aquilo que tinha acontecido nos últimos meses na AEW,
e que culminou no seu despedimento.
Na altura, eu deixei implícito, com mais ou menos palavras,
que o regresso de CM Punk à casa mãe foi o worst kept secret de todo o wrestling,
em absoluto contraste com um regresso ao círculo quadrado consumado há quatro
anos a esta parte, que aconteceu muito contra a corrente das coisas, já que o
próprio Punk havia afirmado repetidas vezes em anos anteriores que o seu
interesse em regressar ao wrestling era nulo, e que por isso ninguém
esperava ver acontecer, nem nos seus maiores e melhores sonhos.
E foi um worst kept secret precisamente porque as
coisas se precipitaram de uma tal maneira que não valia a pena tentar tapar o
sol com a peneira. CM Punk sempre foi um iconoclasta, a mais perfeita definição
daquilo que é ser “anti-sistema” dentro do sistema que regula o pro
wrestling. CM Punk nunca se preocupou com o que as massas dizem ou pensam
dele, e isso revela-se no facto de ter uma autoestima tal ao ponto de voltar a
uma empresa da qual saiu a mal em 2014 só para provar ao dono da empresa
concorrente o quão má decisão foi o seu despedimento.
E a razão pela qual eu estou aqui a falar de CM Punk é muito
simples: O seu regresso à WWE foi um worst kept secret dado o modo como
as coisas correram. Já o regresso da sua esposa foi um worst kept secret… porque
a própria WWE assim quis que fosse. A WWE neste regresso de AJ Lee teve o mesmo
papel daquelas pitas de liceu que compram uma prenda toda pirosa para o
namorado, querem fazer-lhe uma surpresa mas assim que o veem revelam logo o
conteúdo.
E poderíamos alegar que a excitação à volta do regresso de AJ
Lee era tanta que nem a própria empresa conseguia manter a boca calada.
Legítimo. No entanto, eu quero acreditar que a WWE, quando deu leak do regresso
da AJ Lee, também estava naquela de “opah, que se lixe, com a quantidade de
sites e dirt sheets que há para aí, eles vão acabar por descobrir mais tarde ou
mais cedo, muita da malta se calhar deixou o Twitter por causa das trapalhadas
do Musk, portanto olhem… se a gente se chibar já, se calhar ninguém dá por
ela”.
E assim regressou AJ Lee à WWE, cerca de dez anos e meio
depois do seu último combate. Um regresso a full-time e para vários
anos, ao contrário do que por aí se especulou. E assim fica cumprido o desejo
de muitos millenials (e, com alguma sorte, Gen-Zeers) para quem a AJ Lee estava
para a WWE como a Mayu Iwatani para a cena joshi.
E agora, vem a parte mais cruel deste artigo. Eu não quero
ser o desmancha prazeres dos muitos fãs que a AJ Lee tem, eu próprio sou fã da
AJ Lee e reconheço que ela foi um imenso oásis num deserto chamado Divas Era.
Mas essa é exatamente a mesma razão pela qual é preciso admitir que AJ Lee… não
é isso tudo que nós cremos que ela seja.
Como disse, AJ Lee foi um imenso oásis numa era em que as
aparências ainda importavam mais do que o talento para dar uns quantos
pontapés, umas quantas chapadas e agarrar um público às vezes cético. A forma
como ela incorpora a doença bipolar de que padece deste jovem com a psicologia
do wrestling é a prova disso mesmo, mesmo que isso apenas se tenha
manifestado numa storyline que marcou grande parte da sua carreira, que
foi aquela que teve com Paige (nka Saraya) e que terminou de forma
triunfalmente amigável na WrestleMania 31, no combate contra as Bella Twins.
Combate esse que tem algo de poético e curioso, pois se AJ Lee era todo esse
oásis e a representação de que as prioridades na WWE há muito que estavam
trocadas, as Bella Twins eram o símbolo disso mesmo.
No entanto, vamos recordar alguns dos nomes que partilharam
balneário com a AJ quando esta atingiu o auge da sua carreira: Natalya, Nikki e
Brie Bella, Eva Marie, Summer Rae, Tamina, Cameron, Naomi. Desta lista, só
Natalya e Naomi conseguiram escapar ilesas – e até há quem diga, e com
propriedade, que isso se deve ao facto de terem vindo ou integrado as famílias
mais conceituadas da indústria.
E houve até quem tentasse provar que o facto de ter estado na
WWE durante a “Divas Era” foi apenas uma mera circunstância, e que afinal até
sabia o que estava a fazer: Afinal, Eva Marie regressou em plena pandemia,
tentando provar que os cânticos de “you can’t wrestle” que durante anos
lhe foram dirigidos eram apenas mera embirrância do público, sempre tão
picuinhas e criterioso na escolha dos seus heróis e dos seus vilões. Mas não
era.
E o facto de não ser prova que a AJ Lee, na era em que surgiu
no mapa, era uma wrestler à frente do seu tempo. E o facto de, em 2013,
ser uma wrestler à frente do seu tempo mostra-nos que talvez ela seja
tão boa como outras que lá estão em 2025, porém não esteja assim tantos níveis
acima de uma Tiffany Stratton, de uma Bianca Belair ou de uma Liv Morgan.
Valeu-lhe, e muito bem, uma primeira promo onde se notou
algum nervosismo, o que é natural para quem esteve dez anos fora disto. O facto
de se apresentar igual a si própria – até mesmo nas interações não verbais com
Seth Rollins na ponta final do segmento, o facto de se apresentar como a wrestler
favorita dos nossos wrestlers favoritos, tudo isso foram excelentes callbacks
ao porquê de AJ Lee ser tão popular e ser usada por tanta gente como um
modelo, ou um exemplo a seguir.
Só que há aqui uma outra questão que eu não consigo deixar de
achar algo irónica: No fim-de-semana do Summerslam, em Agosto passado, a WWE
trouxe de volta Brock Lesnar, fortemente implicado, como bem sabemos, na
escandaleira sexual que envolve Vince McMahon. E é certo e sabido que todo o
tipo de abuso – físico, sexual, psicológico – deixa marcas e traumas em quem o
sofre, às vezes para uma vida inteira, ao ponto de fazer com que essa pessoa
necessite de terapia.
Pegando neste ponto, não acham irónico que a WWE traga de
volta para a ribalta uma pessoa responsável por crimes e atos tão traumáticos,
e depois, no meio da euforia de um regresso, se aproveite de toda a boa vibe
que isso traz para agitar a bandeira da terapia e da saúde mental? Atenção,
eu não estou a dizer que a AJ Lee não devia ter abordado esse tópico na sua
promo, aliás, se há alguém capacitado para falar sobre saúde mental é a própria
AJ Lee. Mas toda a gente sabe que não se pode agradar a dois senhores: Se vamos
falar sobre saúde mental, não vamos trazer de volta acusados por abuso sexual.
Isso tresanda a hipocrisia…
Que impacto terá o regresso de AJ Lee no roster
feminino da WWE?
Já aqui falei no papel da AJ Lee tendo em conta o tempo em
que se inseriu (e que, por conseguinte, não a coloca no pedestal em que muitos
a querem colocar), mas agora vamos tentar encaixar a AJ Lee em 2025 e tentar
perceber que impacto terá o seu regresso no roster atual.
Não sendo AJ Lee aquela fora de série que grande parte dos
fãs acha que é, a verdade é que o seu regresso só pode ser positivo. Porque,
mesmo com todas as limitações que AJ ainda poderá vir a ter (e isso será um dos
grandes pontos de interesse do seu regresso) a verdade é que AJ é daqueles
nomes que vende bilhetes só por ter a fotografia impressa num cartaz. Aliás, a
TKO até já deve estar a esfregar as mãos só de pensar no lucro que fará com um
AJ Lee vs IYO SKY ou um AJ Lee vs Rhea Ripley.
O que é preciso é não fazer da AJ Lee o mesmo que está a ser
feito com a Rhea Ripley. AJ Lee está em perfeita forma física, e aos 38 anos
ainda consegue dar pelo menos mais seis ou sete a um ringue, contando que as
fragilidades que a fizeram afastar-se serão bem monitorizadas. Mas AJ Lee é uma
mulher com o seu lugar na História da WWE, que deverá regressar para cimentá-lo
e ajudar outras a conquistar o seu.
É importante realçar isto por uma razão: A política de Triple
H em relação ao wrestling feminino ou é 8 ou é 80, na medida em que ou
estamos perante uma Rhea Ripley que chega a ter cinco ou seis reinados por ano
com um título; ou estamos perante uma IYO SKY ou uma Giulia que se tornam
Campeãs sem nunca defender o que é “seu”. Neste aspeto, não existe meio-termo.
Não quer dizer que isso aconteça, até porque é da AJ que
estamos a falar, mas a sua chegada poderá implicar que outros talentos sejam
ainda mais esquecidos do que já são, ou então sejam entregues à própria AJ para
serem “enterrados”. É importante que a WWE gira esta questão com pinças, sob
pena de arruinar um regresso que, apesar de ser um segredo mal guardado, foi
muito bem executado e deixou muita água na boca.
E vocês, o que acharam do regresso da AJ Lee? O que acham que
ela poderá fazer tendo em conta as mudanças que ocorreram em dez anos?