Lucas Headquarters #206 – Amigos improváveis
Ora então boas tardes, comadres e compadres!! Bem-vindos
sejam a mais uma edição de “Lucas Headquarters” aqui no WrestlingNotícias, hoje
excecionalmente à segunda-feira porque a minha agenda pessoal está ainda mais
preenchida do que as praias do Algarve nesta altura do ano!!
Queria, antes de mais, deixar aqui uma ou duas palavras que
julgo ser oportuno que sejam deixadas. Porque há coisas que, embora nada tenham
a ver com wrestling, fazem com que este fenómeno do entretenimento
desportivo se torne, de facto, a coisa mais importante dentro das menos
importantes. E isso acontece, claro está, com contextos e situações que,
vividos de perto ou longe, acabam por afetar-nos a todos. De formas diferentes,
é certo, mas não deixam ninguém indiferente.
No momento em que este artigo vai sair, certamente ainda
haverá uma considerável porção do nosso país que está a arder do Tejo para
Norte. Não vou comprar bilhete para jogar o tradicional jogo do “passa a
culpa”, ou atrever-me a pôr as culpas em quem quer que seja – o artigo, bem
como todo o site, não se destina a fins de comentário sociopolítico, e
para preservar a sã convivência de todos aqueles que nos visitam e leem, vamos
mantê-lo assim.
No entanto, todos os anos, aparecem por esta altura (ou até
mais cedo ainda) centenas de milhares de heróis sem capa. Centenas de milhares
de pessoas que abandonam o conforto do seu lar, o aconchego da sua família,
abdicam da diversão que as festas das suas terras lhes proporcionam por estas
alturas… tudo isto sem a certeza de voltarem a ver a luz de um novo dia. E,
infelizmente, muitos não chegam.
Mas se há coisa que me faz uma certa confusão é como é que só
nos lembramos desses heróis sem capa quando a nossa vida e o nosso conforto
estão verdadeiramente em perigo. Como se eles fossem apenas peões quase inúteis
com coletes vermelhos, que estão ali à nossa disposição para quando
verdadeiramente precisamos deles.
Talvez isto sirva para tudo, talvez isto não sirva para nada.
Talvez daqui para a frente comecemos a olhar para os bombeiros como verdadeiros
heróis que nos trazem calma e esperança em meio ao caos, ou talvez daqui a uns
anos tudo volte a estar como está.
Mas, como disse no início, há coisas que são maiores do que o
próprio wrestling. E isso inclui o bem-estar físico e mental em altura
de incêndios, que é algo que os próprios bombeiros, já exaustos do Inferno das
chamas, tentam fazer com que mantenhamos, enquanto se asseguram que o fogo não
destrói aquilo que mais amamos. E por isso, para eles, nesta altura como em
todas, aqui vai o meu agradecimento e a minha palavra de apreço, sabendo eu que
falo por algum de vós que nos lê e que está a passar por esta tragédia.
Agradecimento dado, vamos, pois, ao que interessa.
Verão. Verão é sinónimo de muitas coisas: Sol, praia, festas,
convívios que às vezes se estendem até bem para lá da meia-noite.
Mas se há coisa que também carateriza – e muito bem – esta
estação do ano tipicamente quente é a palavra “amizade”. A vocês já vos
aconteceu de certeza, a mim também, mas é sempre no Verão que as nossas
relações interpessoais se tornam mais imprevisíveis. É quase sempre no Verão
que conhecemos aquela amizade que surge de uma simples presença no mesmo bar, à
mesma hora; ou é quase sempre no Verão que conhecemos aquele namorado ou
namorada que nos marca e que, muitas vezes, se transforma em marido ou mulher.
Mas e quando isto se aplica ao wrestling, o que é que
acontece?
Não sabemos bem. É certo que o nascimento de duplas ou trios
improváveis no wrestling não é algo que funcione conforme a
sazonalidade, mas ainda assim não deixa de ser um mistério, porque a maior
parte destes grupelhos cumpre um requisito que é quase uma regra de ouro:
Odeiam-se de morte primeiro, “amam-se” até à morte depois.
É claro que a esmagadora maioria destas duplas – senão mesmo todas elas – nascem, crescem e morrem na WWE. Porque só a WWE, com a sua primazia para pseudo-séries de televisão pouco fundamentadas, consegue juntar o yin com o yang e ver no que dá. Já o fizeram 23949593934939564 vezes, já o tentaram com 234858483834858348 gimmicks diferentes, mas a verdade é que funciona sempre, por isso, porque não continuar?
O mais recente caso de sucesso junta Alexa Bliss e Charlotte Flair. Duas wrestlers que são o perfeito oposto em quase tudo: Alexa Bliss, com o seu metro e meio de altura, cumpre os requisitos mínimos para andar nas diversões das feiras populares, ao passo que Charlotte, que alcança o metro e oitenta, nem precisa de passar pelo medidor de altura ao lado da montanha-russa. Charlotte diz que é Rainha, Alexa, noutros tempos, foi Deusa. A única coisa em que as duas parecem concordar é no gosto em brincar com bonecas que parece que foram feitas por um grupo de crianças acabadas de sair da pré-primária.
E sim, tal como esta dupla segue a tendência que a WWE tem
para juntar dois perfeitos opostos, também podemos ver nelas aquele ponto de
partida para todas as amizades, que consiste naquela frase – quase cliché – do “eu
antes não gostava de ti…”.
Pois bem, é nesse espírito de amizade improvável que vos
proponho que façamos uma viagem por algumas das melhores duplas improváveis que
já vimos nas últimas décadas. Podem considerar isto uma sequela ao “Memorial de
um Bromance” que fiz nos primórdios deste espaço, com a diferença de que, no
caso de um bromance, os envolvidos já se conhecem fora da esfera do wrestling,
ao passo que nestes casos, apenas o trabalho lhes amolece os corações.
#5 – Kane e Rob van Dam
Foi uma das duplas improváveis de maior sucesso na viragem do
século, e aconteceu numa altura em que a WWE estava a entrar na Ruthless
Aggression Era e Kane mostrava um lado mais humano e distante do monstro
dos anos anteriores.
A parceria entre os dois surgiu em Outubro de 2002, e num espaço
de meses conquistaram o ouro: No RAW de 31 de Março de 2003, Kane e Van Dam
derrotaram Lance Storm e Chief Morley e ainda os Dudley Boyz num Three Way Elimination
Tag Team Match para conquistar os World Tag Team Championships.
Depois de duas defesas bem sucedidas (Dudley Boyz no Backlash
de Abril e La Resistance no Insurrextion de 7 de Junho), os campeões perderam
os títulos no Bad Blood, uma semana depois. E aí começaram a surgir problemas: No
RAW de 23 de Junho, Kane enfrenta o então World Heavyweight Champion Triple H num
combate pelo título em que, se não derrotasse o The Game, seria obrigado
a tirar a máscara. Com efeito, o Big Red Monster saiu derrotado e foi obrigado
a desmascarar-se. Kane assim o fez, mas logo depois aplicou um chokeslam em
Van Dam, que entretanto tinha estado envolvido no combate em favor do seu
parceiro e queria ver no que é que aquilo dava.
Foram nove meses de uma das duplas mais improváveis das
últimas décadas na WWE, cujo fim foi o gatilho para um dos melhores períodos da
carreira de Kane, no papel de um heel psicótico obcecado com as feridas
causadas por traumas do passado.
#4 – Rock ‘n’ Sock Connection
Se há dupla que personifica aquele velho ditado “os opostos atraem-se” então é esta.
The Rock: Carismático e atlético. Com habilidade
para ter o público na palma da mão.
Mankind: Descuidado, demente, imprevisível. Vivia em boiler rooms e arrancava
o próprio cabelo.
Estaríamos longe de imaginar que dois polos tão repelentes se
tornariam bff’s ao longo dos anos, mas a verdade é que aconteceu.
A história desta dupla tem vários capítulos, vários altos e
baixos, e seria necessário um artigo inteiro para que os conseguisse contar a
todos. Deixem-me apenas dizer que, às vezes, em face à hercúlea tarefa que é
enfrentar Kane e Big Show no meio de um RAW, toda a ajuda é bem-vinda, mesmo
que tenhamos sido nós a lançar esse desafio. Eu não acredito que The Rock se
tenha arrependido da decisão que tomou logo naquele momento (ele não é gajo para
isso, de maneira nenhuma), mas o facto de ter aceitado, ainda que
relutantemente, que Mankind o ajudasse, mostra que às vezes damos um passo
maior do que a nossa perna.
Três reinados como campeões (ainda que de curta duração, e tudo num espaço de poucos meses) e o famoso segmento “This Is Your Life” que ajudou o RAW, que na altura já vencia (e por larga margem) a guerra com o Nitro, a chegar ao melhor rating de sempre. E nem o mal entendido com o livro do próprio Mick Foley e Al Snow seria suficiente para arruinar aquela amizade improvável, uma vez que os capítulos mais dourados da sua história tinham sido escritos lado a lado e com tinta indelével.
Seguiram-se mais cinco anos de reuniões, com o último combate
oficial da dupla a ter lugar na WrestleMania XX, um handicap de dois
contra três em que enfrentaram os Evolution, representados por Randy Orton, Ric
Flair e Batista. Se há coisa que os Rock ‘n’ Sock nos ensinaram, é que
por mais opostas que sejam as nossas personalidades, há amizades que não
acontecem por mero acaso…
#3 – Nikki ASH e Rhea Ripley
Todo o super-herói precisa de um sidekick, não é?
Este é o caso de amizade improvável que durou menos tempo de
entre os que estão nesta lista, por isso é natural que muitos de vós já se
tenham esquecido que existiu. Mas muito antes de Nikki Cross ser a Abby The
Witch e da Rhea Ripley ser a Mami que todos conhecemos e adoramos, a escocesa e
a australiana formaram uma dupla que, para o pouco tempo que durou, até teve
sucesso. Só que cá está: Os opostos atraem-se, mas quando um desses opostos cai
no poço sem fundo da descredibilização ao ponto de não haver futura estrela que
a salve…
Digamos apenas que Nikki ASH tinha acabado de estar no topo: Miss
Money In The Bank 2021, RAW Women’s Champion logo a seguir. Mas nem deu para
aquecer o lugar lá em cima, porque assim que lá chegou começou a descer
vertiginosamente: Perdeu o título para a Charlotte no Summerslam. E foi aí que
encontrou consolo numa Rhea Ripley que na altura ainda estava a dar os primeiros
passos no Main Roster.
No RAW de 20 de Setembro, Nikki ASH e Rhea Ripley lá ganharam
o Women’s Tag Team Championship de Natalya e Tamina, mas 63 dias depois, no RAW
de 22 de Novembro, perderam os títulos para Carmella e Zelina Vega. A
super-heroína não gostou da fruta, deixou-se encantar pelo lado negro e
tornou-se super-vilã, qual Anakin Skywalker a transformar-se em Darth Vader.
Mal sabia ela que, a partir dali, era Rhea Ripley quem ia ter o high ground,
como aliás mantém até hoje.
#2 – The Bar
Outro caso semelhante aos Rock ‘n’ Sock Connection, na medida
em que seria preciso um artigo inteiro para contar a história desta dupla improvável.
Logo após o início da segunda Brand Extension, Cesaro e Sheamus
entraram em feud, mas já havia ali um common ground: Nenhum dos
dois queria estar no RAW, a brand para a qual tinham sido escolhidos.
Cesaro achava que ia ter mais oportunidades para brilhar no SmackDown, e Sheamus
andava no fundo do poço após o fracasso do grupo conhecido por League of Nations.
Mick Foley, GM do RAW na altura,
decidiu então coloca-los numa série à melhor de sete, que ao fim de seis
combates, cada um melhor que o outro, terminou empatada 3-3. Ao sétimo combate,
tanto Sheamus como Cesaro se levaram ao limite, não conseguiram continuar e a
contenda acabou em no contest. Foi então
que Mick Foley, com o intuito de salvaguardar as excelentes prestações que
ambos tiveram nos sete combates, decidiu colocá-los a fazer equipa e deu-lhes
uma oportunidade pelo RAW Tag Team Championship.
Por várias vezes falharam e
começaram a pensar que a aliança, afinal, não tinha futuro, mas lá começaram a
entender-se depois de serem obrigados a enfrentar em conjunto uma rixa dentro
de um bar.
Em Dezembro de 2016, lá venceram
finalmente o ouro, derrotando os New Day e acabando com o seu reinado histórico
de 483 dias. Participaram na WrestleMania 33 (perdendo o Triple Threat Tag Team
Ladder Match para os regressados Hardy Boyz) e entraram em feud com estes, consumando um heel turn pouco depois. E foi essa mudança que consolidou o
seu sucesso.
Para além de assistirem ao
regresso dos Hardys, os The Bar também apadrinharam a estreia de Nicholas na
WrestleMania 34 (como poderíamos esquecer tão brilhante jovem wrestler?) e foram
deuteragonistas no segmento que culminou na reunião dos The Shield no RAW de 9
de Outubro de 2017. Mais do que uma dupla que surgiu de grandes combates, os
The Bar foram uma dupla talhada para os grandes momentos.
#1 – Team Hell No
Claro que o primeiro lugar só podia ser deles, então não? Haverá lá dupla improvável mais brilhante do que esta? AJ Lee, Doctor Shelby, devemos-vos um grande obrigado: Se não fossem vocês, possivelmente uma das melhores e mais divertidas duplas da WWE nunca teria existido, e por consequência não nos tínhamos conseguido arrastar por aquele período terrível que foi a WWE entre 2011 e 2013.
Kane já estava habituado a fazer
dupla com quase toda a gente: Undertaker, X-Pac, Rob Van Dam. E, na fase da
carreira em que estava, parecia cada vez mais distante do pirómano mentalmente
afetado que só se queria vingar do irmão por ter causado um incêndio na
funerária dos pais, ou do monstro psicótico afetado pelo trauma de ter de
mostrar a sua verdadeira face ao público, de tal forma que até eletrocutou os
testículos ao filho do chefão.
Então, porque é que a WWE quis
juntar duas pessoas que, tal como todas as outras que compõem as duplas desta
lista, são completamente opostas?
Simples: Em primeiro lugar, para
fazer alívio cómico, como se já não fosse cómico o suficiente ter de ver WWE na
altura em que surgiram. Segundo, para dar à fase heel de Daniel
Bryan um carácter mais exagerado, o que, em conjunto com a humanização
do Kane, funcionou na perfeição. Juntando isto às excelentes capacidades de
gestão de grupo do Doctor Shelby…
O que distingue esta dupla de todas as outras (e que por isso lhe dá o primeiro lugar) é que a WWE foi capaz de fazer com que eles se mantivessem sempre interrelacionados durante as suas carreiras na empresa.
Fosse um contra o outro (como em 2014, quando Kane atacou brutalmente Daniel Bryan, pouco depois deste ter vencido o WWE World Heavyweight Championship na WrestleMania XXX) ou um ao lado do outro (como na mini-feud da Team Hell No contra os Bludgeon Brothers em 2018 e nas pequenas participações de Kane na feud entre Daniel Bryan e Bray Wyatt em 2020), hoje em dia é impossível desassociarmos Daniel Bryan de Kane, e vice-versa. A ideia para esta dupla e a forma como surgiu era inicialmente tão ridícula, que ficou marcada para sempre. Cá está… “eu antes não gostava de ti”.
Qual destas cinco duplas improváveis
mais vos marcou?
E assim termina esta já longa edição de "Lucas Headquarters"! Não se
esqueçam de passar pelo nosso site, pelas redes sociais, pelo canal de YouTube
(novo episódio de “Lucas Headquarters” para breve!), sugerir temas… o que vocês
costumam fazer. Para a semana cá estarei com mais um artigo!!
Peace and love, até ao meu regresso!!