Lucas Headquarters #200 – Chris Benoit (1967-2007): 18 anos depois da tragédia, haverá culpados?
Ora então boas tardes, comadres e compadres!! Sejam
bem-vindos a mais uma edição de “Lucas Headquarters” aqui no WrestlingNotícias.
Permitam-me, em primeiro lugar, começar por dar uma
palavrinha que não tem nada a ver com wrestling
mas que julgo ser oportuna, não só por se tratar de alguém apreciado por
muitos dos que visitam o nosso site (tenho a certeza que a grande maioria gosta
de futebol, e mesmo quem não gosta terá outros motivos para sentir uma perda
que vai muito além disso).
Poucas são as pessoas a quem a sorte bafeja ao longo da vida.
Poucos são aqueles que começam verdadeiramente de baixo, sem a alavancagem que
os grandes palcos proporcionam, e vão construindo um caminho persistente e
acima de tudo, consistente.
Poucas são as pessoas que, chegando a um patamar de fama, são
totalmente consensuais. Seja por puro desdém, por motivos politico-ideológicos,
por recordações de alguma ação ou palavra que causou mais polémica no passado.
E isto não mudará, até porque o consenso, a aceitação universal de todas as
coisas… isso são conceitos puramente utópicos. Não devemos deixar de lutar por
eles, de os querer alcançar, muitas vezes é isso que norteia a nossa vida, mas
sempre com a consciência de que nunca vamos conseguir ser totalmente
bem-sucedidos nesse objetivo.
O que aconteceu na madrugada desta quinta-feira ao Diogo Jota
e ao irmão prova-nos duas coisas: Primeiro, prova-nos que a vida, não raras
vezes, é completamente estúpida na forma como nos dá tudo e, numa questão de
segundos, tudo nos tira. Diogo Jota tinha sido campeão inglês a 28 de Abril
passado, e faz esta terça-feira um mês que ajudou a nossa seleção a ganhar a
Liga das Nações, naquele que viria a ser um feliz cair do pano na sua carreira.
Feliz, mas arrepiante, dados os factos.
Depois, prova-nos que aventura que é a vida, muitas vezes, é a coisa mais contranatura que existe. Estamos a falar de alguém que tinha apenas 28 anos. O irmão dele era pouco mais novo do que eu. Num espaço de dez dias, há pais que ficam sem os filhos, há uma mulher que fica sem marido e há três crianças que ficam sem pai.
É verdade que é possível encontrar consolo no
facto de uma morte tão prematura deixar uma imagem 100% positiva, de alguém que
trabalhou para chegar onde estava e fez bem o seu trabalho ao ponto de não ter
inimigos. Mas isso é só um pequeníssimo balão de oxigénio quando calçamos a
pele daqueles pais e nos perguntamos: A partir daqui, como é que se vive? Tenho
a certeza de que não se vive. Sobrevive-se. Mas isso também é um ato de
coragem, creio.
Da minha parte, enquanto fã de futebol e contemporâneo das
vítimas desta tragédia, as mais sentidas condolências à família. E peço-vos
desculpa por este desabafo inicial fora do contexto, mas às vezes é necessário
sair da bolha do wrestling e refletir
por um momento. E já agora peço desculpa também pelo tom lúgubre desta edição,
mas hoje vou abordar um tópico que, em cinco anos e duzentas edições de Lucas
Headquarters, nunca tive a coragem de abordar.
Completaram-se no passado dia 24 dezoito anos desde que Chris
Benoit, por muitos considerado como o melhor wrestler de sempre a nível técnico, foi protagonista de uma
tragédia que ainda hoje mancha a credibilidade do wrestling a muitos níveis. Os detalhes do que aconteceu são
conhecidos por todos, não vale a pena estar aqui a escutiná-los ainda mais, até
porque isso seria desrespeitar a memória de quem, ainda hoje e passados quase
vinte anos, sofre com esta tragédia.
A questão aqui – e daí eu ter decidido abordar este tema,
ainda que um pouco fora da data dos factos – é tentar perceber de quem foi a
culpa: Se do próprio wrestler, se da
WWE. É preciso que se entenda que eu não estou, com o artigo desta semana, a
tentar tirar culpas de ninguém e a passa-las para outros: Aquilo que Benoit fez
é, e será sempre, dos crimes mais hediondos e indesculpáveis que existe, penso
que todos estamos de acordo nesse capítulo.
No entanto, para compreendermos melhor aquilo que está em
causa não podemos nunca avaliar as coisas só pelo facto de elas acontecerem,
temos que ir ao contexto e procurar perceber porque é que a tragédia se deu e o
que é que podia ter sido feito para que isto fosse evitado.
Volto a reiterar: Aquilo que Chris Benoit fez é imperdoável.
Não só pelo incidente em si, mas porque, como disse ainda há pouco, a tragédia
que protagonizou lançou uma sombra sobre o wrestling
que ainda não se dissipou completamente (e duvido que alguma vez isso
suceda) e que, por conseguinte, afastou muita gente do mundo do wrestling, em muitos casos para nunca
mais voltar.
Mas há camadas muito mais profundas do que isso.
Recuemos a 13 de Novembro de 2005. Um dos dias mais tristes
da História do wrestling, marcado
pela inesperada morte de Eddie Guerrero, aos 38 anos de idade. Toda a gente
chorou a morte de um Latino Heat que
estava no auge da sua carreira, e que tinha acabado de vir de um Verão em que
protagonizou uma rivalidade marcante contra Rey Mysterio, estando, naquela
altura, a caminho de fazer parte da Team SmackDown no Survivor Series.
Mas houve alguém que chorou mais do que todos os outros.
Chris Benoit e Eddie Guerrero eram melhores amigos, dois companheiros de
trabalho extremamente próximos (como aliás demonstra a celebração conjunta que
tiveram na WrestleMania XX). O Rabid
Wolverine estava completamente devastado pela perda do amigo, chorando
copiosamente num pranto que parecia não ter fim.
Perante isto, eu pergunto: A partir daí, e tendo em conta
aquilo que, quase dois anos mais tarde, viria a acontecer, não poderia a WWE
ter tomado medidas e ter protegido Chris Benoit? Não poderiam estar ali alguns
sinais do que estava para vir?
Sabendo o estado em que Chris Benoit ficou depois da morte de
Eddie Guerrero, a WWE podia – aliás, devia – ter acompanhado convenientemente o
wrestler canadiano, ajudando-o a ele
e à família no que fosse preciso. Era o mínimo. Mas não. A WWE fez bem pior do
que isso.
A WWE continuou a espremer Chris Benoit até ao ponto em que a
mente dele já não aguentou mais. Uma semana antes do sucedido já se notava que
Chris não estava nada bem. Aliás, é possível encontrar vídeos do último combate
dele no YouTube. Por razões óbvias (e para não ferir suscetibilidades de nenhum
tipo) não o vou deixar aqui, mas se repararem na expressão dele após o término
do combate verão que já há ali algo de errado a passar-se.
Se a forma como a WWE não se preparou para a eventualidade
desta tragédia já é legitimamente criticável, mais criticável é a forma como
lidaram com o que aconteceu no pós-tragédia. A decisão que a WWE tomou – e que
ainda mantém – em não mencionar, em nenhuma circunstância, o nome de Chris
Benoit a nível público revelou-se como acertada, pelo menos inicialmente, já
que os efeitos desta tragédia têm um prazo muito longo (se faz sentido ou não
que Chris continue apagado da História da empresa, isso já vamos discutir). No
entanto, se há pessoas que mereciam pelo menos uma homenagem, mais não fosse
para que a WWE não saísse tão debaixo de fogo da situação, eram Nancy e Daniel,
porque, ao fim e ao cabo, eram os innocent
bystanders de tudo isto.
Faz sentido que Chris Benoit continue apagado da
História da WWE?
Como disse ainda há pouco, a decisão que a WWE tomou em não
mencionar pública e oficialmente o nome de Chris Benoit em nenhuma
circunstância (decisão essa ainda em vigor) acaba por revelar-se acertada, mais
não seja porque a empresa invoca aqui um natural instinto de defesa, isto é,
não quer ter nada a ver com o que se passou ou com as ramificações da tragédia,
para não ver afetada a sua reputação. Mas quando falamos da História da WWE
como um todo, as coisas tomam, naturalmente, uma dimensão muito diferente.
Isto que eu vou dizer a seguir serve tanto para o wrestling como para o mundo real: A
História, quer seja de um povo ou de uma instituição, não pode nem deve ser
apagada. Para o bem e para o mal, haverá sempre pessoas a contribuir para essa
história, mesmo que as suas ações acabem por revelar-se ética, moral e filosoficamente
questionáveis. Até vou mais longe: Nos tempos muito voláteis em que vivemos, em
que é mais fácil desinformar do que informar, qualquer pedaço de História mal
apagado pode gerar radicalismo.
Chris Benoit, com toda a tragédia que protagonizou, é parte
dessa História. Excluí-lo faria sentido há dez anos atrás, quando ainda existia
muito fã que acompanhou a carreira dele e que poderia facilmente
impressionar-se com tudo o que aconteceu. No entanto, já não faz sentido agora,
porque muitos dos fãs que consomem o produto da WWE neste momento começaram a
fazê-lo muito depois da tragédia ter acontecido, e outros nem sequer tinham
nascido a 24 de Junho de 2007. Portanto, a reação dessa esmagadora maioria,
embora seja a natural, vai ser, quase de certeza, indiferente. Muitos deles só
querem reviver memórias de um tempo que não viveram.
Afinal… quem tem culpa nisto tudo?
Esta é aquela pergunta que se costuma dizer que é “para um
milhão”: Na tragédia de Chris Benoit, quem tem culpa? A WWE ou o próprio wrestler?
A resposta parece óbvia: Ambas as partes. Há uma tendência
para culpar Chris Benoit pelo sucedido – compreensível e justa, de resto – mas a
forma como a WWE negligenciou tudo aquilo que se passava com o wrestler desde,
pelo menos, Novembro de 2005, é também muito reveladora e deixa antever um
defeito enorme, que ainda hoje se mantém e que tem tendência a exacerbar-se: A
WWE, na maioria das vezes, não se preocupa com as vicissitudes das vidas pessoais
dos seus wrestlers, a não ser que estes gerem dinheiro ou lhe deem fama
fora do espectro do wrestling, como é o caso de Undertaker ou de John
Cena.
A quota-parte de culpa da WWE nesta tragédia não apaga o quão
grotesco e horroroso foi o sucedido. Mas a tendência que venho observando – e que
me motivou em grande medida a tomar a corajosa decisão de abordar este tema,
embora um pouco tarde – é que os fãs em geral estão a começar a ver o que está
para além da tragédia em si e a perceber porque é que tudo isto aconteceu. Não
lhe limpa o nome, não traz de volta a mulher e o filho, mas diz muito sobre a
forma como escolhemos (ou não) abordar assuntos tão delicados.
Numa última nota para esta semana – e não pensem que me
esqueci disto – chegamos hoje às duas centenas de edições de “Lucas
Headquarters”. Ao contrário do que fiz no número 100, não comemorei de forma
especial – achei que não valia a pena, porque não me vejo aqui “a prazo”, pelo
menos para já, nem vejo intenções de terminar este artigo depois deste redondo
número.
Quero apenas agradecer, mais uma vez, ao Fábio, que me trouxe
até aqui e me permitiu começar a escrever estas divagações como resposta a um
momento mais difícil há cinco anos atrás; ao Diogo (que eu tantas vezes chateio
com ideias e potenciais novos tópicos) e, por último mas não menos importante:
A todos vocês, que a cada fim-de-semana têm a paciência de santos e a bondade
de ler o que escrevo.
Saibam que, a cada fim-de-semana em que publico, penso em vocês.
Cada vez que começo a escrever o que potencialmente se transformará no artigo,
ainda em off, penso em vocês. Penso sempre que o motor disto é a paixão
comum pelo wrestling e nunca aquilo que eu gostaria de escrever, mas o
que gostaria de ler se estivesse do vosso lado. E assim será até ao último
artigo.
Obrigado a todos os que leram, peace and love, e até
para a semana!!