Lucas Headquarters #198 – As storylines “Belt Collector” (e porque é que não funcionam)
Ora então boas tardes, comadres e compadres!! Sejam
bem-vindos a mais uma edição de “Lucas Headquarters” aqui no
WrestlingNotícias!! Estão a conseguir aguentar o calor? É que eu estava na
esperança que me dissessem que não… Para não sentir que sou o único…
O que é que acharam do Grand Slam Mexico? Foi bom? Foi mau?
Assim-assim? Eu até acho que foi bastante bom. Não me parece que tenha merecido
todo aquele hype que as redes sociais
lhe deram (temos que dar um desconto, a malta das redes sociais é muito
apaixonada, um bom par de spots num
combate mais mediano que seja visto por qualquer membro da chamada IWC é o suficiente para considerar esse
combate um Match of the Year, e se
fosse assim, a cada ano eram quinhentos, e não nos podemos esquecer da natureza
bastante subjetiva das preferências de cada um), mas no geral não desapontou.
Não queria colocar o foco na disputa tribalista entre AEW e
WWE mais tudo o que isso acarreta, mas a verdade é que ambas as empresas foram
capazes de nos apresentar um bom espetáculo em solo mexicano.
Talvez seja tentador considerar que não, pegando no facto de
que aquilo que a AEW e a CMLL têm é uma parceria (que respeita a integridade e
a política de trabalho de cada empresa, procurando encontrar os chamados common grounds e, a partir daí, explorar
possibilidades – que são imensas) e o que a WWE e a AAA têm é, em bom rigor,
uma fusão (em que a maior empresa
compra a mais pequena, regra geral
para evitar que esta última caia na bancarrota, mesmo os fãs sabendo que o
interesse por trás e sempre outro, mais aglutinador e monopolista).
Claro que a forma como ambas as empresas abordam os seus eventos é sempre diferente, já aqui o disse várias vezes de várias maneiras (e julgo ser sempre importante repetir). Basta ver que, depois do Worlds Collide, o foco centrou-se mais na apresentação dos wrestlers da AAA e na forma como poderiam usar isso para gerar lucro ou atrair as massas (um exemplo perfeito disso é todo o burburinho que se gerou à volta do Mr. Iguana e da sua personalidade a pender para o excêntrico.
Por outro lado, o foco do Grand Slam México esteve no wrestling durante para aí 98% do tempo
(a prova disso é que promos só houve uma – a do “Hangman” Adam Page logo no
início, e num espanhol bem razoável, apesar do forte sotaque da língua inglesa)
e segmentos – se é que os podemos chamar assim – só aquele entre Mina
Shirakawa, Mercedes Moné e Toni Storm (após o combate da Mercedes) para
construir o combate para o All In. Foi um evento bastante fluido, sem grandes
paragens, onde as duas horas e meia passaram num instante.
TONI STORM SUPLEXED MERCEDES, AND ALL THE TITLES FLEW OFF LIKE SONIC RINGS!! 😭😭😭#AEWDynamite #AEWGrandSlamMexico pic.twitter.com/IKjDSdooL7
— 𝐃𝐫𝐚𝐕𝐞𝐧 (@WrestlingCovers) June 19, 2025
Falando de Mercedes Moné, estava eu ontem a ver o combate
entre ela e a Zeuxis pelo título feminino da CMLL e o resultado final trouxe de
volta à vida uma das minhas pet peeves,
picuinhices, manias, embirrações – chamem-lhe o que quiserem – enquanto fã de wrestling. E não se façam de santinhos
ou de desentendidos, porque com certeza que vocês, na qualidade de fãs, também
têm as vossas, não vale a pena esconderem nem fazer de conta que elas não
existem.
Parto, uma vez mais, do princípio que todos nós descobrimos o
wrestling durante a infância (a idade
agora não interessa). E todos nós, a partir do momento em que começamos a
explorar este mundinho e a ter os primeiros wrestlers
preferidos, começamos a ter o desejo de imitá-los (numa primeira fase) e
depois, inebriados pelo que representam para nós e pelo fascínio que o wrestling nos provoca, começamos a
pensar, também nós, em fazer carreira no círculo quadrado. Só que depois
lembramo-nos: Isto é Portugal, o máximo que nos pode acontecer é ser
cabeças-de-cartaz do Wrestlefest (e só de si isso já seria espetacular, até
porque eles estão a fazer um grande trabalho, shoutout Nélson Pereira e companhia).
E quando nós começamos a sonhar, ainda em petizes, com a
remota possibilidade de vir de Portugal e fazer carreira no wrestling, qual é o primeiro pensamento
que nos vem à cabeça? “Quando eu for
wrestler vou ganhar os títulos todos de uma vez, para mostrar quem é que manda”.
E é isto que a inocência nos faz. A inocência faz-nos pensar
que é possível ter sucesso fazendo parte de cenários onde o topo é a coisa mais
solitária que há neste mundo. A nossa inocência, misturada com esse desejo de
causarmos um impacto tão grande quanto o dos nossos wrestlers favoritos, faz-nos pensar que mais é efetivamente mais, e
nunca menos. E não nos podemos culpar por isso: Somos crianças, abrimos a boca
e deixamos falar o espírito. Sempre assim foi e sempre assim será.
Eu próprio, quando tinha sete anos e descobri a maravilha que
é o wrestling, também pensava desta
forma. Na minha cabeça, também queria ser um belt collector, açambarcar o ouro todo, limpar tudo e manter-me
largos anos no topo (no corpo é que já era mais difícil fazer isto).
Hoje, passados dezoito anos desse primeiro impacto, vejo que
isso não funciona. Para além disso, vai contra tudo aquilo que deve ser – e tem
sido, cada vez mais - o wrestling: Um
desporto onde todos devem ter a oportunidade, para, num ponto da sua carreira,
mostrar o que valem. É irrelevante quando é que chega esse ponto, se mais cedo,
se mais tarde, se logo no início, se mais para o fim da jornada. Mas essa
oportunidade deve lá estar.
E isto para dizer o quê? As belt collector storylines, para mim, são das coisas mais estúpidas e sem sentido que existem quando me refiro ao aspeto de gestão de recursos do wrestling, mais especificamente ao booking. Notem que aqui eu não falo das reações que podem ser provocadas no público, na forma de momentos que ficam para sempre na memória por diversos motivos – falo tão somente da forma como os wrestlers são apresentados.
De uma maneira geral, as belt
collector storylines passam uma ideia de falso domínio e tornam o wrestler, ou a stable, num indivíduo (ou conjunto de indivíduos) “planos”, isto é,
sem grandes desenvolvimentos a nível de gimmick,
assim como os próprios títulos também perdem interesse porque já se sabe o
resultado dos combates onde são defendidos.
Isto é importante porque são esses desenvolvimentos que fazem
com que nos identifiquemos mais facilmente com um wrestler, ou que muitas vezes fazem com que voltemos a apreciar o
seu trabalho. O wrestling só resulta
se aquilo que os wrestlers representam,
os seus traços de personalidade, o que os faz agir daquela forma… tudo isso for
evoluindo com o tempo. Caso contrário, são só pessoas a usar o corpo para
contar uma história que não tem uma premissa que cative, ou que desperte o
mínimo interesse.
Assim aconteceu, por exemplo, com a Bloodline original: Ao
início, a ideia de ter Roman Reigns como Undisputed WWE Champion e os Usos com
os títulos de Tag parecia uma excelente ideia (cá está, a falsa sensação de
domínio) mas houve uma altura em que o pessoal se começou a fartar, porque já
se sabia como tudo aquilo iria terminar. Ou seja: As belt collector storylines não só enfraquecem os wrestlers e as storylines do ponto de vista do seu desenvolvimento, mas também
enfraquecem o próprio produto, tornando-o mais previsível e menos atrativo.
Mas quando olhamos para a AEW, sobretudo para a sua divisão feminina, o caso ainda é mais grave. Já se sabia que Mercedes Moné seria, ao lado de Toni Storm (e, agora, de Mina Shirakawa) a principal cara da divisão. A questão é que, ainda antes de Mercedes chegar (e de Toni adotar a gimmick atual), já havia outras wrestlers que mereciam usufruir desse estatuto: Willow Nightingale, Jamie Hayter, Kris Statlander, só para nomear algumas.
Para além disto ainda existe mais outra razão pela qual as storylines “belt collector” não resultam
em nada. Eu acabei de mencionar estes três nomes como aqueles que seriam,
talvez, os mais bem posicionados para assumir o posto em que a Mercedes Moné
está agora, isto antes da sua chegada. Mas vamos inverter a situação a 180º.
Pensemos, agora, em todos os títulos que a Mercedes Moné traz
(ou trouxe) consigo. A esmagadora maioria, tirando os títulos da CMLL e também
da NJPW, são títulos que diziam respeito a empresas indies. Não faria mais sentido, já que é de indies que falamos, que outras wrestlers
que têm bem menos tempo de antena por comparação a Mercedes, Toni, Mina ou
qualquer uma das três supramencionadas fossem as detentoras desses títulos?
Não seria uma excelente oportunidade para, passando a
expressão, “matar dois coelhos de uma cajadada”? Não só essas wrestlers teriam mais tempo de antena (o
que também poderia, a médio-longo prazo, prevenir uma ida para a WWE porque
finalmente se sentiriam úteis) como o público se sentiria mais tentado a ver o
trabalho que essas indies fazem. Isto
não seria bom apenas para a AEW, mas sim para o wrestling como um todo. Lembrem-se: Tudo começa nas indies.
É que, parecendo que não, a principal razão pela qual a
divisão feminina da AEW é tão criticada não tem apenas que ver com o tempo de
antena que lhe dedicam nos programas semanais e PPVs (mas quem é que, no seu
perfeito juízo, mostra apenas quatro mulheres no Grand Slam Mexico e dá-lhes
apenas cinco minutos para um combate?), mas tem também a ver com as
consequências dessa belt collector
storyline atribuída à Mercedes: A centralização no trabalho de uma só wrestler descredibiliza o balneário e
enfraquece os próprios títulos, ameaçando, uma vez mais, o produto como um
todo.
Quem é que ganha com isso? A AEW não é de certeza. E seria
muito mesquinho pensar que a própria Mercedes quisesse, de livre e espontânea
vontade, ver-se neste papel. Ainda que – e a César o que é de César – a sua
evolução desde que saiu da WWE tenha sido notável, e um reflexo da felicidade
que sentiu depois de lhe terem tirado um peso de cima (embora a forma como
lidou com isso não tenha sido a mais correta).
E vocês, o que acham das belt
collector storylines? Ainda podem funcionar no contexto atual do wrestling?
E assim termina mais uma edição de “Lucas Headquarters”!! E
assim termina mais uma edição de "Lucas Headquarters"!! Não se
esqueçam de passar pelas nossas redes sociais, Facebook, Instagram, Telegram,
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Masterclass em breve!), deixar as vossas opiniões aí em baixo, o
costume. Para a semana cá estarei com mais um artigo!!
Peace and love, até ao meu regresso!!