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Lucas Headquarters #197 – Sacrifícios, o poder dos fãs e as fontes de lucro


Ora então boas tardes, comadres e compadres!! Sejam bem-vindos a mais uma edição de “Lucas Headquarters” aqui no WrestlingNotícias!! Que tal estão a ser os vossos Santos Populares? Muita sardinha? Muita bifana? Muito caracol? Muito martelinho e manjerico? Assim é que é!! Procedam com precaução: Não se estraguem logo de uma vez, olhem que ainda há o São João e o São Pedro… fora as festas da terrinha!!


Na semana passada, falei de Mariah May na WWE e de Thekla na AEW, mas aproveitei para deixar umas palavras relativamente ao que tinha acontecido com o R-Truth (e, de certa forma, com o Carlito) e, apesar de ter deixado a ideia de fazer uma edição dedicada à forma como a TKO, enquanto “dona” da WWE, procede para com os seus talentos, era provável que o assunto ficasse arrumado logo ali porque, sejamos sinceros, a maior parte dos despedimentos são uma coisa irredutível: Os wrestlers são dispensados, fazem a sua vida noutras empresas e só passado meia dúzia de anos (ou talvez mais) é que regressam. E os fãs geralmente convivem bem com isto: Afinal, o wrestling, mais do que desporto e arte, é uma indústria. E as indústrias precisam de funcionar, sendo que para isso há que fazer vários sacrifícios.


Essa é, naturalmente, a parte que nos custa. Porque o significado, a consequência que vem com a palavra “sacrifício” já é uma coisa pesada e exigente por si só, mas quando aplicada ao wrestling… ainda mais. 


Porque, normalmente, os sacrifícios que se fazem na indústria do wrestling apontam sempre para pormenores de que gostamos, desde os mais insignificantes até aos que nos parecem, aparentemente, indispensáveis. Quem não tem saudades, por exemplo, de algum PPV que lhe tenha marcado a infância? O Armageddon, o Unforgiven, o New Year’s Revolution, o Cyber Sunday? 



E aqueles wrestlers que passaram de fininho na WWE, mas que ainda hoje arrendam um espaço a termo incerto no nosso coração, mais não seja por nostalgia da infância? Quem não se recorda, por exemplo, de um Snitsky, de um Mr. Kennedy (KEEEEEEENNNNEEEEDDDDYYYY!), de um Super Crazy ou de um Chris Masters? Já vos fiz derramar uma lágrima à conta deste parágrafo? Peço desculpa… it wasn’t my fault.




Outra razão pela qual nós, no papel de fãs, convivemos bem com estes sacrifícios é precisamente por essa passagem de fininho. Eles arrebatam-nos a nós, fantasiam a nossa memória e fazem, como que por magia, que os recordemos com a mesma saudade com que ficamos quando nos morre um familiar nosso ou um amigo próximo, mas, lá no fundo, com o passar dos anos acabamos por descobrir que não são assim tão imprescindíveis para a empresa quanto tudo isso, sobretudo quando esta começa a ter a capacidade de criar e desenvolver as suas próprias estrelas, recorrendo a mecanismos dentro do seu próprio sistema.


Mesmo que Snitsky, Super Crazy ou Mr. Kennedy (KEEEEEEEEEENNNNEEEEDDDDYYYYYYYY!) tivessem uns anitos a menos, hoje em dia já seria muito mais difícil vingarem na indústria precisamente porque a indústria do wrestling, no estado em que está, sabe regenerar-se e desenvolver-se a si própria. E isso faz com que sejamos muito mais conscientes em relação às qualidades e defeitos dos próprios wrestlers.


Mas, para além destes wrestlers que são amados, mas efémeros, existe ainda um outro tipo de wrestlers cada vez mais raro: Aqueles que são amados não pelo que fazem, mas pela forma abnegada com que se entregam a qualquer papel, a qualquer missão dentro da indústria, mesmo que isso ponha em causa o modo como são vistos não só pelos fãs, mas muitas vezes pelos próprios pares.


Damien Sandow. Toda a gente se recorda dele, não é? Um intelectual iluminista do séc. XVIII cuja missão era educar os fãs para o requinte e sabedoria. A gimmick era uma versão atualizada daquela que Triple H, ainda enquanto Hunter Hearst-Helmsley, tornou famosa nos seus primeiros anos. Muita gente que assistiu à chegada de Damien Sandow nem sonhava nascer quando Triple H nos surgiu com esta gimmick em 1995, pelo que tudo aquilo lhes parecia… fora da caixa. O robe azul, a rendição coral de Hallelujah de Handel, a barba abaixo do queixo, o jeito de segurar o microfone e os trunks rosa, tudo aquilo era diferente, tudo aquilo chamava a atenção. 





E o futuro parecia brilhante, até ele ter falhado o cash-in do Money in the Bank contra John Cena (World Heavyweight Champion na altura) e ter iniciado uma trajetória descendente até se tornar no Damien Mizdow.





E sim, houve muita gente a criticar esta mudança, como é natural. Muita gente pensou que o próprio Sandow havia enlouquecido (ele próprio o disse numa das últimas promos que fez, já depois da feud com o Miz). Mas por mais estapafúrdio que tenha sido o seu papel enquanto “duplo” do A-Lister, o público sabia o valor que ele tinha e ele sabia o quanto o público o apreciava. A sua entrega, tanto à personagem mais intelectual como às personagens mais cómicas, não era, nunca foi, uma questão que se colocasse. Foi sempre um ponto de honra.





Poder-se-á colocar a mesma questão: Será que, à luz do modo como a indústria do wrestling funciona hoje, Damien Sandow teria lugar na WWE? Talvez não. Mas existe a consciência de que, se tivesse sido melhor aproveitado, se tivessem aproveitado a oportunidade para o tornar World Champion em 2013, talvez ele ainda hoje lá estivesse.


E agora, o elefante na sala: R-Truth. Recuperando as palavras da edição da semana passada:


“(…) Truth, meu rapaz, tu és aquilo a que em bom português chamamos uma “máquina”. Quanto muitos saíram da WWE a procurar alternativas melhores, quando muitos bateram com a porta tentando defender e reivindicar os seus direitos enquanto wrestlers (nada contra) e quando muitos partiram deste mundo para o Olimpo do wrestling, tu ficaste.”



É, no mínimo, paradoxal que, mesmo nos seus melhores anos, R-Truth tenha quase sempre tido o tratamento reservado a um lower midcarder. Em teoria, R-Truth tinha tudo aquilo que a WWE considerava para ser, pelo menos, um upper midcarder: Carisma, grande conexão com o público, qualidade em ringue bastante satisfatória (mesmo depois dos 50 anos). E no entanto, passou os últimos doze, treze anos, a fazer papéis de comédia.


Nada contra, até porque, pegando novamente nas palavras que escrevi há uma semana:


“(…) Truth e Carlito são dois exemplos (dos poucos que já vão restando) da parte mais autêntica do wrestling e daquilo que é ser fã de wrestling. Porque uma das razões pelas quais muitos fãs ainda hoje investem o seu tempo a ver os shows tem a ver com esta questão do nonsensical humor que para uns é pura e simplesmente uma coisa parva, para outros é a razão pela qual as pessoas esquecem que ontem tiveram um dia mau no trabalho. Ou que estão a meio de um processo de divórcio, e correm o risco de perder a guarda dos filhos. Ou que a mãe ou a avó morreram com um cancro (…)”


Mas é no mínimo irónico que um wrestler que reúna em si as condições que, à partida, seriam as principais para poder vingar num mundo tão competitivo, imprevisível e incerto como é o wrestling nunca tenha passado de um ator secundário. Poderíamos entrar aqui na questão da WWE e da forma como aborda temas como o racismo, mas talvez isso fique para um outro dia.


E é aqui que entram aqueles que muitas vezes são tidos como a razão pela qual a indústria do wrestling existe, mas que são, não raras vezes, ignorados: Os fãs.


Em dezoito anos que levo a acompanhar wrestling, nunca tinha visto uma mobilização tão grande em torno de um wrestler como vi, nestas últimas semanas, em torno de R-Truth. Certamente que isso diz muito sobre a forma como o próprio Truth é visto não só dentro, como fora da indústria: Até hoje não conheci ninguém que, fosse num papel mais relevante ou noutro mais de alívio cómico, dissesse mal do seu trabalho. E quando assim é, estamos perante alguém de grande valia.



Certamente que haveria outros wrestlers que seriam igualmente merecedores da afeição dos fãs e de um esforço para que voltassem a ser contratados pela empresa (alguns deles já aqui mencionados), mas é preciso perceber que a “demanda”, digamos assim, pelo regresso de Truth beneficiou também de algo que não estava tão massificado há vinte anos como agora: Redes sociais. Não tenham dúvidas que se os nomes que aqui citei ainda estivessem plenamente no ativo nos dias de hoje (e tivessem uns anitos a menos) seriam, muito provavelmente, alvo da mesma afeição e carinho que Truth mereceu. É tudo uma questão de contexto temporal.


Mas tudo aquilo que aconteceu com Ron Killings revela um grave problema, no qual eu já toquei no artigo da semana passada: Que a WWE está, há muito, desviada do seu propósito original, não é surpresa para ninguém. Mas mais grave é que a ganância pelo dinheiro, a sede pelo lucro, se assim quisermos, venha sempre à custa daqueles wrestlers que, independentemente do papel, mais ou menos relevante, sempre deram o peito às balas pela empresa. 


São os tais “sacrifícios””, dir-me-ão vocês, se calhar com razão, mas bolas… tanta gente que passa anos e anos no catering à espera de uma oportunidade que sabe que nunca vai chegar, e no fim… são sempre os mais leais que “levam por tabela”, desculpem o termo.


Goste-se ou não se goste, nisto há que dar razão a Vince McMahon: Do ponto de vista criativo e de gestão de recursos humanos, sobretudo nos últimos anos, tomou as piores decisões possíveis e arrastou a WWE para a lama com os seus “casos e casinhos”, mas do ponto de vista do reconhecimento e do mérito no trabalho, ele sabia reconhecer e valorizar quem se batia pela empresa.



A TKO não o faz simplesmente porque, para eles, a parte do wrestling não é mais do que um meio para atingir um fim. 


Porque é que vocês acham que a WrestleMania vai voltar a ser em Las Vegas no ano que vem? Dinheiro. Porque é que os fãs andam a pagar bilhetes mais caros para ver os shows? Dinheiro. A qualidade do wrestling apresentado pode até vir a ser péssima, podem até colocar no ringue dois homens ou duas mulheres que nunca tenham treinado wrestling na vida, que no final de contas nós, os verdadeiros apaixonados por isto tudo, vamos continuar a ir às arenas encher-lhes os bolsos com dinheiro.


A nossa paixão pelo wrestling cega-nos a nós, nas opiniões, nos gostos, nas convicções. Mas cega-os ainda mais a eles, na forma desesperada como querem fazer dos wrestlers uma fonte de lucro mais do que os trabalhadores honestos e íntegros sem os quais as companhias não existem. Há bocadinho dava razão ao Vince (do ponto de vista do reconhecimento do trabalho dentro da empresa), mas vale lembrar o seguinte: O que se passou com R-Truth, felizmente revertido graças ao poder dos fãs, é quase tão grave como o que próprio Vince fez a 15 de Abril de 2020.


O facto de o ex-chefão saber reconhecer quem deu o corpo às balas por ele durante décadas não apaga o facto de, tanto em 2020 como agora, os wrestlers terem deixado de ser wrestlers. Se já era mais ou menos óbvio nessa altura, daqui para a frente os wrestlers da WWE vão passar a ser nada mais nada menos do que uma fonte de lucro. E é melhor que nos habituemos a essa ideia.



Como veem a reação da WWE às críticas dos fãs ao trazer R-Truth de volta?


E assim termina mais uma edição de “Lucas Headquarters”!! E assim termina mais uma edição de "Lucas Headquarters"!! Não se esqueçam de passar pelas nossas redes sociais, Facebook, Instagram, Telegram, de darem uma voltinha pelo nosso canal de YouTube (novo episódio de Saligia's Masterclass em breve!), deixar as vossas opiniões aí em baixo, o costume. Para a semana cá estarei com mais um artigo!!



Peace and love, até ao meu regresso!!

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