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Lucas Headquarters #193 – Sabu (1964-2025): Pode um simples mortal desafiar a própria vida?


“The suicidal, homicidal, genocidal, death-defying Sabuuuuuu!”


Este fim-de-semana fica marcado por uma daquelas edições que eu não queria ter de fazer mas que, de vez em quando, lá sou obrigado a tal. E uno-me a todos vocês na certeza que não contava fazer esta edição tão cedo e tão repentinamente, uma vez que o homem, o wrestler, que vamos homenagear aqui hoje tinha lutado pela última vez… há apenas um mês, em pleno fim-de-semana de WrestleMania.


Obviamente que, sendo uma edição de homenagem post-mortem uma coisa que ninguém quer fazer, há um certo privilégio e sentimento de gratidão associados a este tipo de edições. Privilégio porque, contar a história de wrestlers que muitos de nós nem sequer vimos lutar (ou dos quais não acompanhamos a maior parte do seu percurso, ou pelo menos aquela parte mais marcante) com o mesmo entusiasmo e emoção daqueles que vemos e acompanhamos todos os dias faz-nos perceber o quão sortudos somos por poder acompanhar um desporto e uma realidade tão emocionante como o wrestling.


Porque – e não tenham ilusões nesta matéria – quando o assunto é wrestling, são sempre mais os que se vão do que os que ficam, são sempre mais aqueles que vão perdendo a paixão e a emoção pelo círculo quadrado do que aqueles que, ao longo das décadas, vão vendo nomes a entrar e nomes a sair, vão conhecendo novas realidades através do ringue, vão vendo novas empresas a serem formadas e a prosperar.


Quem sai do comboio do wrestling está no seu pleno direito: Gostos nunca devem ser impostos a ninguém, e quem pensar dessa forma está a contribuir para que voltamos a reviver alturas menos boas do passado. Mas, paradoxalmente, eu não raras vezes tenho pena de quem se vai. Porque depois não compreendem porque é que há certos wrestlers que mexem connosco em vida (e ainda mais depois da morte). Dali a uns tempos ouvem falar de um wrestler que “mudou completamente o negócio”, que foi um “inovador, um revolucionário” e não percebem porquê, acham que isso é só marketing, publicidade exagerada, se quisermos.


Não é. Há wrestlers que definem eras, que criam mundos e momentos memoráveis, que podem até não ser os mais cativantes dentro do ringue e nem os mais politicamente corretos fora dele, mas que por motivos que a razão desconhece arrendam um espaço a termo incerto na nossa memória e no nosso coração. Hoje vou falar-vos de um desses exemplos.


Sabu. Para muitos, um wrestler que apenas esteve um ano na WWE, em resultado de um ressurgimento muito mal planeado da empresa que ele próprio ajudou a pôr no mapa. Para outros, uma lenda que não tem o reconhecimento que merece, um homem que ajudou a definir um estilo ainda hoje aclamado e recordado com saudade por muitos. 


1964-1994: Trinta anos antes da fama



Para começar a perceber a história de Sabu, temos que recuar a meados dos anos 60. A primeira data a fixar é 12 de Dezembro de 1964, o dia em que nasce Terrence Michael Brunk, no burgo novaiorquino de Staten Island. Filho de mãe libanesa e sobrinho do The Original Sheik Ed Farhat, desde cedo se percebeu que o wrestling lhe estava no sangue. Treinado pelo tio, começou a despontar para a modalidade aos 21 anos, em 1985, lutando na empresa que este detinha, chamada Big Time Wrestling. Teve a oportunidade de mostrar o seu talento um pouco por toda a América, sobretudo no Tennessee, no Ohio, no Michigan, no Canadá e no Havai.


Escolheu o nome de ringue Sabu, naquela que também foi, em certa medida, uma homenagem ao seu tio e mestre: Ed Farhat era fã de Sabu Dastagir (1924-1963), conhecido ator indiano-americano do final dos anos 30 e início dos anos 40. Assumiu originalmente uma variação do nome pelo qual ficaria conhecido, Sabu The Elephant Boy, e lutou ainda sob o nome de ringue de Terry S.R. (S.R. significando Sheik’s revenge).


Em 1991 sai da Big Time Wrestling para ir para a United States Wrestling Association. A passagem pela empresa foi curta, mas deu para ter feuds com Jeff Jarrett e Robert Fuller.


1993 – 2002: A fama bate à porta



Depois de uma muito discreta passagem pela então WWF em 1993 (onde teve combates contra Shane Taylor e Owen Hart), Sabu estreia-se pela ECW em Outubro desse mesmo ano, derrotando Tazz (na altura com o ring name The Tazmaniac) no seu primeiro combate e estabelecendo-se como um heel.


Sabu ainda hoje deve ser um dos mais conhecidos exemplos do termo “ascensão meteórica” no mundo do wrestling, sagrando-se campeão logo ao segundo combate e derrotando Shane Douglas pelo ECW Heavyweight Championship. De facto, tornar-se-ia duplo campeão logo em Novembro, sendo cabeça de cartaz do primeiro evento November to Remember ao alinhar com Road Warrior Hawk para derrotar King Kong Bundy e Terry Funk num tag team match onde tanto o World Heavyweight Championship de Sabu o como ECW World Television Championship de Funk estavam em jogo. O combate fica marcado por uma traição de King Kong Bundy a Terry Funk, o que possibilitou a Sabu vencer o combate e o título. A feud entre ambos terminou no When Worlds Collide, quando Sabu se juntou a Bobby Eaton para derrotar Funk e Arn Anderson.



A partir do Heat Wave de Julho, Sabu consumou um face turn, alinhando-se com Tazmaniac para derrotar os The Pitbulls (Gary Wolfe e Anthony Durante). Na verdade, esse foi apenas o primeiro de dois combates que Sabu teve nessa noite, já que voltou a enfrentar Shane Douglas, para quem perdeu via count-out. Depois disso, Sabu e Tazmaniac começaram uma feud com os Triple Threat (Shane Douglas, Dean Malenko e Chris Benoit), o que levou a um combate entre Sabu e Benoit no November To Remember desse ano, permitindo a Sabu ser cabeça-de-cartaz do evento durante dois anos seguidos. No entanto, o combate não correu como esperado: Num back body drop aplicado por Benoit, Sabu rodou a meio do ar e aterrou de costas, quando o Wolverine esperava que ele aterrasse de cara. Isto resultou numa lesão na medula.





A primeira passagem de Sabu pela ECW termina em polémica: Depois de ter ganho o ECW World Tag Team Championship ao lado de Tazmaniac contra os Public Enemy (Johnny Grunge e Rocco Rock) num tables match no Double Tables e de os ter perdido no Return of the Funkier para Chris Benoit e Dean Malenko, Sabu não compareceu no PPV Three Way Dance (onde era suposto lutar pelos títulos) para acertar várias datas com a NJPW, onde lutou ao longo do ano de 1995. Paul Heyman despediu-o publicamente durante o evento.


Seguiram-se curtas passagens por NJPW e WCW (onde defrontou, entre muitos outros nomes, Tatsumi Fujinami, Alex Wright e Disco Inferno) até que voltou à ECW em 1997, aparentemente já de pazes feitas com empresa depois da polémica de que foi protagonista em 1995. Para a história desta segunda passagem fica um dos períodos da sua carreira pelo qual foi mais conhecido: A parceria de sucesso com Rob Van Dam.


Tudo começou como quase todas as amizades começam: “Eu dantes não gostava de ti”. Sabu derrotou Van Dam no Hostile City Showdown, mas recusou-se a apertar-lhe a mão, levando a um respect match no A Matter of Respect de 11 de Maio. Seguiu-se uma série de combates entre ambos, incluindo um stretcher match no The Doctor is in de 3 de Agosto. Finalmente, no combate que ambos tiveram no Unlucky Lottery, Sabu derrotou RVD e conquistou, finalmente, o seu respeito.



A parceria entre ambos começa pouco depois da “invasão” da ECW ao RAW e é extremamente bem-sucedida. Sabu conquista novamente o ECW World Tag Team Championship (derrotando Chris Candido e Lance Storm ao lado de RVD) num reinado de quatro meses, onde a dupla derrotou nomes tão ilustres como os Hardcore Chair Swingin’ Freaks (Axl Rotten e Balls Mahoney), os Full Blooded Italians e também os Dudley Boyz, para quem perderam os títulos em Outubro e de quem os haviam de recuperar em Dezembro, marcando o terceiro reinado de Sabu com o título. 





Sabu venceu o FTW Championship após derrotar Taz e Justin Credible numa Triple Threat no episódio semanal do Hardcore TV de 23 de Dezembro e reteve os títulos de Tag Team ao derrotar os Hardcore Chair Swingin’ Freaks no House Party a 16 de Janeiro. Em Março de 1999 perdeu o FTW Championship, após ser derrotado por Taz num combate que servia também para unificar o ECW World Heavyweight Championship detido por este último, e que teve a estipulação de falls count anywhere. Depois disso, lesionou-se, voltou em Setembro e falhou a vitória pelo World Television Championship por duas ocasiões: A primeira, contra Rob Van Dam num episódio de Hardcore TV em Novembro; e a segunda, já em 2000, também contra RVD no Guilty as Charged de 9 de Janeiro. Saiu da ECW um mês e meio depois.



2002-2007: Vida pós-ECW, lesão grave e a WWE



Depois de cerca de dois anos nas indies, Sabu chega à TNA em 2002. Começa a ter algum destaque apenas em 2004, quando entra em feud com Monty Brown e Abyss. Foi desafiado por Raven para um combate, que inicialmente começou por recusar devido a uma promessa feita ao tio, The Original Sheik, entretanto já falecido. Sabu acabou por atacar Raven após este ter atormentado Sonjay Dutt e desrespeitado a memória do tio, mas perdeu no combate contra este no PPV de Agosto.


Entretanto, teve uma lesão nas costas e acabou por apanhar uma bactéria, o que o deixou temporariamente paralisado e custou dez meses fora dos ringues. No dia do seu quadragésimo aniversário foi feito um evento, A night of appreciation for Sabu, cuja receita lhe permitiu cobrir os custos do tratamento.


Depois do seu regresso no Sacrifice de 2005, Sabu alinhou com Raven para enfrentar Jeff Jarrett e Rhino, mas foi derrotado após interferência de Abyss, o que resultou numa feud que Abyss ganhou claramente, vencendo grande parte – senão mesmo todos – os combates, incluindo um Barbed Wire Massacre no Turning Point, em Dezembro. Sabu ficaria de fora durante uns meses após partir o antebraço, e voltou em Abril para enfrentar Samoa Joe pelo TNA X-Division Championship, naquele que foi o seu último combate na empresa.





Seguiu-se a WWE, onde esteve durante pouco mais de um ano. Na sua estreia, no ECW One Night Stand a 11 de Junho de 2006, enfrentou o então World Heavyweight Champion Rey Mysterio, num combate que terminou em no contest após um DDT executado em sequência de um voo de Sabu, que lesionou ambos os wrestlers. Destaque também para o combate que teve com John Cena no Vengeance, tendo atacado o líder da Cenation semanas antes, após um combate com Balls Mahoney, e tendo acertado um triple jump leg drop com o qual projetou Cena contra a mesa de comentadores do RAW.





Foi também por essa altura que Sabu começou finalmente a falar por si mesmo em vez de recorrer a managers, ele que, ao longo da sua carreira, quase nunca falava em público (um traço que também herdara do seu tio). Teve um combate contra Big Show no Summerslam pelo ECW World Championship, que perdeu, e participou no Survivor Series, tendo feito parte da Team Cena (onde também estavam Bobby Lashley, Kane e Rob Van Dam) contra a Team Big Show (onde, para além deste, estavam MVP, Finlay, Test e Umaga). Conseguiu eliminar Test, mas foi eliminado por Big Show.




Fez a sua estreia no Royal Rumble de 2007 como o número 7, mas foi eliminado por Kane após sofrer um chokeslam numa mesa. Numa das suas últimas feuds na WWE, formou os ECW Originals com Rob Van Dam, Tommy Dreamer e The Sandman para ir contra os New Breed (Elijah Burke, Kevin Thorn, Marcus Cor Von e Matt Striker), tendo triunfado num eight-man tag team match na WrestleMania 23. O seu último combate na WWE foi a 1 de Maio desse ano, competindo numa triple threat match contra Tommy Dreamer, RVD e The Sandman para definir o #1 contender pelo ECW World Championship, que Van Dam venceu. Saiu da WWE duas semanas depois, cumprido o seu ano de contrato.





2007-2025: As indies, o curto regresso à TNA e o último combate



Depois da WWE, a carreira de Sabu entrou em rota descendente: Passou três anos nas indies e em 2010 voltou à TNA, porém sem o protagonismo que alcançou entre 2004 e 2005. Depois disso, voltou ao circuito independente, onde enfrentou, entre outros nomes, Justin Credible, Devon Storm e Drew Galloway (nka McIntyre).


Em 2021, anunciou o fim da sua carreira, mas apenas teria o seu último combate passados quatro anos, num No Rope Barbed Wire Match contra Joey Janela no Joey Janela’s Spring Break 9. Este combate teve lugar no fim-de-semana da WrestleMania, três semanas antes da sua inesperada morte, faz hoje uma semana, aos 60 anos. A GCW já negou qualquer envolvimento na morte de Sabu, de forma a contrariar eventuais rumores que pudessem aparecer relacionando o seu último combate com quaisquer consequências físicas.






Para que se entenda o mistério da carreira de Terry Brunk, vale a pena deixar esta pergunta: Pode um simples mortal desafiar a própria vida? A resposta é, obviamente, sim. Mas Sabu não se limitou apenas a fazer isso. Deixou, para além do seu legado, a certeza saudosista de que, no wrestling, muitas vezes é preciso elevar a fasquia, colocar tudo em cima da mesa e fazer valer o tempo de quem vê, ao vivo e no ecrã. Fica a certeza de que tudo aquilo que Sabu fez neste negócio capturou a imaginação, despertou a paixão e não deixou ninguém indiferente.


Que a sua alma descanse em paz.


Muito obrigado a todos pela paciência que tiveram para ler a edição de hoje (e as devidas desculpas pelo tamanho :P). Vemo-nos no próximo fim-de-semana!! Peace and love!!


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