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Lucas Headquarters #141 – Considerações sobre indie wrestling


Ora então boas tardes, comadres e compadres!! Como estão? Sejam bem-vindos a mais uma edição de “Lucas Headquarters” aqui no WrestlingNotícias!!


Vou confessar-vos uma coisa, e não é por ser europeu ou ter algum tipo de vendetta para com o público americano, mas… talvez não fosse má ideia se a WWE pensasse em multinacionalizar-se. De certa forma, conseguiu fazê-lo, no sentido em que o seu produto chega a todos os cantos do mundo – inclusive a países e zonas do globo que nós achávamos que era impensável chegar – mas estou mesmo a falar de abrir filiais noutros países que não os Estados Unidos.


É que, a julgar pelo público que tão bem abrilhantou o go home show do SmackDown e o próprio Backlash, seria um desperdício não se pensar nessa ideia. Nesta altura existe todo um mundo de diferença entre o público europeu e o público norte-americano, quer a nível de perceção do wrestling, quer a nível da forma como as pessoas sentem o que está a acontecer.


Diria até que, depois do que vimos nesses dois dias, a ideia de termos uma WrestleMania em solo europeu tem que ser um cenário para ser levado a sério. Mas isso é tema para outro artigo, talvez lá mais para o fim do Verão. É que o Backlash correu bem, mas avançar com opiniões ou possíveis cenários só porque um caso supostamente isolado teve sucesso é uma manobra muito arriscada. Se o Bash in Berlin de Agosto tiver o mesmo êxito, talvez pensemos nisto tudo com um maior conhecimento de causa.



Para já, hoje quero falar-vos de indie wrestling. E não quero falar-vos apenas de indie wrestling porque está na moda, ou porque é parte da agenda que vejo cada vez mais gente a ter contra o wrestling americano (quer WWE, quer AEW) e que, aviso já, vocês nunca me vão ver embarcar.


Mas quero falar-vos de indie wrestling porque o indie wrestling é, em bom rigor, onde tudo começa. Toda a gente que embarca na aventura que é fazer parte da indústria – quer seja como wrestler, comentador, ring announcer, ou até produtor de backstage, começa por aqui. Depois, é claro, tudo dependerá, não só da qualidade do trabalho desenvolvido, mas também do fator sorte. Isto é tal qual como na música: Todas as nossas bandas ou artistas favoritos já começaram por baixo um dia. 




Quero falar-vos de indie wrestling porque sinto que, como o ponto em que tudo começa, este não está a ter a atenção suficiente. E isso não é, a meu ver, algo que seja justo.


O wrestling, quando é feito por empresas que trabalham de forma independente com poucos recursos, tem a vantagem de não ser tão tribalista como o wrestling dito mainstream. E por isso, acompanhar indie wrestling acaba também por ser um exercício de autorreflexão do nosso comportamento enquanto fãs, e acima de tudo acaba por nos fazer perguntar até que ponto queremos levar esta nossa paixão pelo círculo quadrado.


Sim, o indie wrestling atrai muito menos público, tem muito menos mediatismo, e esse mediatismo às vezes consegue-se por associação, isto é, porque a determinada altura descobrimos que houve um wrestler que, antes de chegar à WWE, AEW, NJPW, etc., começou a carreira lá. 


Muita da fama da Ring of Honor se deve precisamente a isso, porque antes de ter sido comprada pela AEW, foi responsável por lançar muitos dos nomes que hoje são as principais caras do wrestling mainstream. CM Punk, Samoa Joe, Bryan Danielson, Seth Rollins, Kevin Owens, Sami Zayn e Damian Priest são apenas alguns dos nomes de uma longa lista de exemplos.



Mas, para que vocês possam compreender melhor o fenómeno do indie wrestling, é preciso saber o que é que distingue o indie wrestling do wrestling mainstream, e o que é que é preciso para que as empresas que outrora eram indies passem a ser mainstream


Isto que vos vou dizer não é nada de novo para quem, como eu, já anda nisto há mais de uma década, mas eu gosto de pensar que estou a fazer serviço público para quem agora se está a começar a apaixonar pelo wrestling – e mais uma vez vos digo, a não ser que algumas circunstâncias da vossa vida pesem demasiado sobre vocês, o wrestling é uma paixão que muito dificilmente vão conseguir largar.


Indie Wrestling vs Mainstream Wrestling


O que distingue o indie wrestling do mainstream wrestling não é apenas o facto de o indie wrestling ser, muitas vezes, feito com poucos – ou até mesmo nenhuns – recursos e nem o facto de atraírem pouco público. Há indies que são relativamente bem-sucedidas nesse aspeto e a única coisa que lhes falta é um nome sonante a mexer os cordelinhos ou um contrato televisivo bastante lucrativo.


Por exemplo, a Mission Pro Wrestling – indie de wrestling 100% feminino que já vos dei a conhecer, numa das primeiras edições deste espaço – cumpre um destes requisitos. É verdade que lhe falta o tal contrato que pode garantir que continuaremos a ter MPW daqui a cinquenta anos, mas a fundadora e dona da empresa é a Thunder Rosa. Ou seja, só o facto de uma das principais caras da divisão feminina da AEW gerir uma empresa de wrestling pode fazer com que haja mais gente a querer ver o que por lá se faz, o que, invariavelmente, lhe trará mais sucesso. 



Isto são apenas questões de logística, ou, cá está, da tal fama por associação. Mas o que predominantemente distingue indie de mainstream é a forma como as empresas olham para um ativo enquanto potencial gerador de lucro. E é aqui que entram as empresas americanas, e a diferença se torna, em certos casos, gritante.


A WWE e a AEW, quando “trabalham” um wrestler, dão muito pouca ênfase ao seu move-set, exceto se este se destacar por alguma razão – se for um move-set que aposta muito em moves de alto risco (veja-se Ricochet, Jeff Hardy, e, em certa medida, Rey Mysterio) ou se for um move-set em que o wrestler que o tem é um super heavyweight que se revela extraordinariamente ágil (por exemplo, Braun Strowman) ou quando há um wrestler que, para além de transmitir intensidade, faz com que a move mais básica pareça a mais eficaz (dois grandes exemplos, Ilja Dragunov e Gunther).


Geralmente, o foco da WWE e da AEW está na gimmick, mais do que na skill. Porque é que uma gimmick como Undertaker resultou tão bem? Porque Mark Calaway a soube interpretar, não só dentro, mas também fora do próprio círculo quadrado – e isso tornou a gimmick e o seu intérprete verdadeiros ícones da cultura pop, tanto que hoje, até quem nunca viu wrestling sabe quem é o Undertaker.


Porque é que Bray Wyatt, nas suas várias gimmicks, conseguiu ter tanto sucesso? Porque soube moldá-las com a sua criatividade e conhecimento. Bray Wyatt foi um wrestler que, tal como o supracitado, correspondeu perfeitamente à ideia que resume o mainstream wrestling – tanto que, a nível de skill, não era um lutador de encher o olho, mas o seu trabalho a nível “cinematográfico” – porque o mainstream wrestling tem muito disto – compensou.


Porque é que uma wrestler como Giulia está muito mais destinada a ter sucesso na WWE – pese embora muita gente a quisesse ver na AEW? Porque, para além de ser uma das melhores wrestlers do mundo atual – como o são a IYO SKY ou a Kairi Sane – um dos seus grandes atributos é o carisma, a aura, a forma como consegue pôr as pessoas a falar nela, um atributo essencial no mainstream wrestling e, muitas vezes, a imagem de marca da WWE.




No indie wrestling acontece exatamente o oposto: A ênfase passa para a skill e não tanto para a aura que se carrega ou para a questão de gerar ou não reação do público através de outro atributo que não a skill. No indie wrestling não há uma preocupação tão grande com a gimmick  - o que não quer dizer que não exista, mas muitas vezes é algo mais próximo do ser humano e não do/da wrestler. O foco é verdadeiramente aquilo que o wrestler consegue entregar. Dois bons exemplos disso são Ricochet (especialmente durante as suas passagens por PWG e Lucha Underground) e Gunther, no seu período pré-WWE.


Bryan Danielson, de resto, é outro wrestler conhecido por, apesar de ter conseguido chegar ao mainstream wrestling com elevado grau de sucesso, conservar ainda aspetos do indie wrestling, sobretudo ao nível de gimmick. Fê-lo durante quase toda a carreira até agora, mas a última run que teve como World Champion na WWE é um dos exemplos mais perfeitos: Danielson vestiu, no seu papel de heel, a pele de um militante anarquista vegano, que é uma aproximação (embora manifestamente exagerada, para efeitos de suspensão da descrença) ao que ele é na vida real: Uma pessoa com um estilo de vida vegano que defende, se interessa e se preocupa pelas causas ambientais.





O que é que é preciso que uma empresa de indie wrestling faça para passar a ser mainstream?


Isto é uma pergunta onde a resposta não é preto, nem branco, mas antes cinzento, porque não há um critério claro para determinar o que é indie wrestling e o que é mainstream wrestling. Mas digamos que, do meu ponto de vista (e pegando no que disse há uns parágrafos atrás), as duas condições essenciais são ter o tal contrato televisivo e saber produzir wrestlers.


A questão da produção de wrestlers é complexa, porque das duas uma: Nem todos os wrestlers estão talhados para ser wrestlers e um wrestler não entra num ringue a saber lutar. Mas, para simplificar – até porque isto dava um outro artigo – há que apostar naquilo que faz com que um destes se destaque.


Iyo Sky, por exemplo, quando começou, tinha carisma a montes e era uma excelente high flyer. A STARDOM apostou nisso e bookou-a como líder das Queen’s Quest, tornando-a, para muitos, na porta de entrada para a empresa – e para o joshi no geral. O seu sucesso foi tal que a WWE a foi buscar.


O mesmo sucede com Giulia, que não sendo high flyer, tem os mesmos níveis elevados de carisma e destacou-se como líder das extintas Donna del Mondo. A WWE deitou-lhe a mão e para garantir que a mudança ficava feita, ainda a deixou cumprir os seus compromissos no Japão.


Também vale a pena destacar, por exemplo, Willow Nightingale, uma wrestler que esteve sete anos nas indies até chegar à AEW e que se destaca, uma vez mais, pelo carisma – que resulta na incrível relação que estabelece com o público – mas sobretudo pela sua moldura física. É uma wrestler naturalmente superior nesse aspeto, mas mesmo assim consegue definir o ritmo de um combate e movimenta-se com bastante agilidade no ringue. A AEW apostou nestes dois fatores e hoje Willow, não sendo um marquee name indiscutível – para lá caminha – é alguém em quem os fãs já depositam muitas das suas atenções.







Mais uma vez, havia muitos fatores por onde pegar, e a sorte faz a sua parte em quase todos, mas eu diria que sem estes dois, muito dificilmente alguma empresa terá reputação suficiente para chegar ao patamar mainstream que WWE, AEW e NJPW dominam.


Indies que vale a pena acompanhar


Para terminar, e para vos alimentar o bichinho pelo indie wrestling, vou deixar-vos aqui duas ou três empresas que acho que são dignas da vossa atenção. Muitas delas apresentam propostas interessantes como intergender matches ou combates mais hardcore, e usam o YouTube como principal meio de transmissão, pelo que não têm de se preocupar com a questão do streaming.


Superior Italian Wrestling (SIW)




Superior Italian Wrestling é uma indie italiana fundada em 2017 e cujo dono é o wrestler italiano Alex Flash. A proposta desta indie assenta em storylines guiadas pela lógica, mas também por combates bem construídos (exemplo disso é o combate entre Rafael Flores e Steve Valentino pelo Superior Italian Championship no segundo dia do Tutto x Tutto, onde o ritmo vai claramente aumentando à medida que o tempo vai passando) e até intergender (como a Fatal 5-Way entre Swan, Caesar, Thunder Kid, Cairo e Vertigo pelo SIW Superior Wild Championship).


Tendo isto em conta, o trabalho da SIW é bastante interessante, porque parece não haver qualquer divisão dos wrestlers em “classes”, como no mainstream (e isso adiciona imprevisibilidade) mas os próprios wrestlers apresentam um lore que não se vê em muitas indies, e isso é um aspeto que não se costuma encontrar em empresas onde os recursos são, uma vez mais, escassos.


Southern Pro Wrestling (SPW)


Bem dentro do hemisfério Sul, a Sudeste da Austrália está a Southern Pro Wrestling (SPW), uma indie ativa desde 2015 que traz até nós o melhor do wrestling neozelandês. Esta indie privilegia mais o aspeto das gimmicks em detrimento da skill, apresentando personagens um pouco over-the-top e assemelhando-se ao wrestling japonês na medida em que muitos dos seus wrestlers se organizam em grupos.


A nível de títulos, temos apenas o SPW New Zealand Heavyweight Championship (detido por Cool Guy Sky) e o SPW New Zealand Tag Team Championship (detido pelos Golden Light, dupla formada por James Shaw e Ryder e integrada na stable Congress of Light).


Gatoh Move Pro Wrestling 



A Gatoh Move Pro Wrestling é uma das muitas empresas joshi espalhadas pelo Japão, mas, apesar de não ser a que está no topo da “cadeia alimentar”, a sua história é, no mínimo, curiosa.


A Gatoh Move aparece em 2012, e o seu começo é em todo semelhante ao da MARIGOLD: Emi Sakura, fundadora da empresa (e wrestler que já passou pela AEW) sai da Ice Ribbon e vai até à Tailândia, onde se encontra com um fã de wrestling chamado Pumi Boonyatud, que lhe dá conta dos muitos fãs de wrestling que existem no país. Os dois fundam, assim, a empresa que inicialmente teve o nome de Bangkok Girls Pro Wrestling em Janeiro de 2012, passando a adotar a atual designação.


A Gatoh Move foi das empresas que mais cresceu em termos de visualizações nos últimos anos, em grande parte devido aos efeitos da pandemia: No início da primeira quarentena no Japão, a empresa começou a emitir um show exclusivo para o YouTube, intitulado Gatoh Move ChocoPro, que mantém no ar até hoje. O primeiro main event da História do show opôs Minoru Suzuki a Baliyan Akki.





E vocês, costumam acompanhar indie wrestling? Que empresas recomendariam?


E assim termina mais uma edição de “Lucas Headquarters”!! Não se esqueçam de passar pelo nosso site, redes sociais, deixem a vossa opinião aí em baixo… as macacadas do costume. Conto com vocês daqui a uma semana para falarmos do primeiro evento da MARIGOLD, a nova empresa de joshi fundada por Rossy Ogawa!!


Peace and love, até para a semana!!


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