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Literatura Wrestling | Yes! My Improbable Journey to the Main Event of Wrestlemania - Capítulo 3 - Parte 3


Está de volta a Literatura Wrestling, o espaço de traduções do blog que vos traz uma obra biográfica, na íntegra, reveladora das origens, vida e decorrer da carreira de alguns dos mais marcantes wrestlers que percorreram os ringues que acompanhámos com tanto gosto.

Todas as semanas vos traremos um excerto do livro "Yes!: My Improbable Journey to the Main Event of Wrestlemania", publicado em 2015 por Daniel Bryan e pelo co-autor Craig Tello, a contar o crescimento e peripécias do "Yes! Man" até à sua chegada à WWE e ao main event da Wrestlemania. Boa leitura!


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Além do wrestling com os meus amigos e o trabalho, eu era relativamente anti-social e completamente contente por ficar em casa. Como devem imaginar, isso fez de mim um verdadeiro êxito com as senhoras. Só namorei mesmo com uma rapariga na escola, durante um período em que eu vivia com o meu pai em Castle Rock, Washington, a cerca de uma hora e meia de distância de Aberdeen. O nome dela era Becky; ela estava no último ano de liceu e eu no primeiro. Acho que ela só gostava de mim por ser novo e Cape Town era uma terra pequena. Íamos ao cinema ou comer fora, e até fomos ao baile de finalistas dela juntos. Após um destes eventos, acabaríamos na cave dos pais dela aos beijos no sofá. Uma noite, durante uma sessão de marmelada particularmente longa, Becky estava encima de mim, e no calor do momento, sussurrou-me ao ouvido, "Sê delicado." Eu ri-me tanto que acidentalmente a derrubei do sofá. Apesar das minhas subsequentes chamadas, não tornámos a sair, e pouco depois ela namorava com um universitário com uma unicelha. E assim se vão, é o que é.

A minha terra-natal de Aberdeen, Washington, é uma cidade operária cheia de pessoas boas e trabalhadoras. É construída à volta da indústria das madeiras, e existem placas por todo o lado a dizer FLORESTAS FUNCIONAIS = FAMÍLIAS FUNCIONAIS. Infelizmente, quando a exploração madeireira anda embaixo, muita gente é demitida. A certo ponto, tinha a maior taxa de tabernas por pessoa no estado, ou pelo menos era esse o rumor. Também chove, em média, mais de oitenta polegadas por ano. (No ano em que graduei, por exemplo, choveu durante cem dias seguidos.) O Kurt Cobain dos Nirvana é provavelmente o nosso residente mais famoso. Não tenho a certeza se está relacionado, mas Aberdeen tem um número relativamente alto de suicídios todos os anos.

A chuva sempre me confortou em miúdo. Mesmo no Inverno, eu deixava a minha janela aberta porque eu gostava do som da chuva a cair quando dormia, e gostava de ter o quarto bem frio, comigo bem quente por baixo dos cobertores. Olhando para trás, apercebo-me o quanto eu adoro a chuva, e reconheço que sem toda essa água, não se pode ter todo esse verde.

A nossa casa era ao pé de um mato grande num subúrbio de Aberdeen chamado Central Park. Era basicamente apenas a nossa casa, as pessoas da casa ao lado e uma grande parcela de área arborizada que chamávamos Oscar's Creek, inspirado por um dos Labradores do vizinho que adorava brincar nesse sítio. Lembro-me de cordas balançantes sobre ravinas - mesmo com o meu medo de alturas - e essencialmente crescer rodeado de árvores. Estar perto de seres vivos como árvores, plantas e fetos é o que eu prefiro, e ter sido criado neste ambiente foi o que definitivamente me fez amar a natureza.

Por vezes o meu pai leváva-nos a pescar e eu detestava. Ele dizia-me que os peixes não sentiam qualquer dor, mas eu não acreditava. Apanhar um peixe é um afazer muito violento; eu imagino-me a detectar uma bolacha, a comer essa bolacha, e de repente a ser enganchado pela boca, arrastado pela rua, despejado numa água e forçado a ficar debaixo de água até morrer - exactamente o que acontece a um peixe, mas ao contrário. Anos após as nossas viagens de pesca, eu ainda tenho esta (excelente) fotografia de mim, minha irmã, e meu pai, a segurar dois peixes. Ele está a sorrir. A minha irmã está a sorrir. E ali estou eu, a olhar para o peixe, horrorizado.

Bryan, a sua irmã Billie Sue, e o seu pai Buddy fazem bolas de manteiga de amendoim

Escrever sobre o meu pai é a parte mais difícil deste livro. Eu amo o meu pai. Todo ele. A minha mãe ainda diz até hoje que, na ausência de álcool, o meu pai foi o melhor homem que ela já conheceu. Ela ainda diz isso, mais de vinte anos depois do divórcio. Mas depois há o outro lado. O vício é uma coisa terrível, e algo com que a minha família já tem uma longa história. O meu pai era o mais novo de seis, todos eles ou já tiveram problemas com álcool ou drogas ou eram completos abstémios. O meu pai batalhou com o vício do álcool a vida inteira.

Eu relacionava-me com o meu pai melhor do que com qualquer outra pessoa. Billie Sue diz que é porque somos exactamente o mesmo, menos a parte do álcool. Levo sempre isso como um elogio porque ele era esperto, amável e engraçado. Ele era genuinamente simpático para as pessoas. E mais importante, ele certificava-se sempre que sabíamos que eramos amados.

Os meus pais eram um casalinho de liceu que casaram relativamente jovens (a minha mãe tinha vinte anos, o meu pai dezanove). A minha mãe foi empregada de mesa para ajudar o meu pai a acabar a escola enquanto ele conseguia o seu diploma em engenharia técnica, mas assim que ele graduou, foi trabalhar para a indústria da madeira, a medir e a classificar as árvores cortadas. Meu pai adorava o exterior e adorava exploração madeireira que, infelizmente, não é o emprego mais estável do mundo. Pouco depois de eu nascer, mudámo-nos para o Vernal, no Utah, onde o meu pai tinha conseguido uma posição diferente que supostamente ia ser um pouco mais firme.

De acordo com a minha tia e o meu tio, o meu pai sempre teve um problema com o álcool, mas a minha mãe notou-o pela primeira vez quando vivíamos no Utah. Apenas estivemos lá por seis meses antes de nos mudarmos para Albany, Oregon, para que o meu pai pudesse prosseguir com o trabalho de medir inicial, e depois voltámos para Aberdeen. Durante todo esse tempo, o meu pai foi apanhado num ciclo de dependência. Ele entrava e saía de programas contra o álcool, que traziam tempos de sobriedade - três semanas, seis semanas por vezes - depois começava de novo. Às vezes saía durante dias e a minha mãe adoecia de preocupação. Eu realmente não notava nada, porém, porque a minha mãe protegia-me e à minha irmã de vê-lo quando estava bêbado. Eu lembro-me que eramos sempre postos no quarto das traseiras a ver o "Pete's Dragon" ou a "Mary Poppins" e ocasionalmente ouvíamos gritos a sobrepôr-se aos sons da TV.

A bebida do meu pai tornou-se substancialmente pior quando o seu pai morreu de um enfisema e depois, um ano mais tarde, sua mãe morreu de cancro. Depois disso, os meus pais estavam praticamente divorciados, apesar de não me lembrar exactamente do timing. Nem a minha mãe ou a minha irmã. É estranho como pode haver tal esquecimento colectivo.

Com tudo isso dito, o meu pai ainda era um pai muito amoroso. A única razão para eu mencionar a sua bebida é porque ajuda a explicar porque é que não bebo e nunca bebi. Quando os miúdos começaram a beber, eu imediatamente o vi como negativo e nada fixe.

Apesar de estarem separados, nós ainda o íamos ver sempre. O meu pai jogava ao apanha comigo, vinha aos meus eventos desportivos quando não estava a trabalhar, e levava-nos a acampar. Íamos para casa do meu pai na véspera de Natal e ele fazia de Pai Natal até termos idade suficiente para sabermos que era ele. Na manhã de Natal, acordávamos, comíamos bolos de canela que a minha mãe fazia no fogão a lenha, depois abríamos presentes (incluindo talvez o meu presente de Natal favorito, um set de trinta cassettes RF Media VHS de todos os house shows da Extreme Championship Wrestling).

Uma das coisas que eu adorava especialmente fazer com ele era a apanha do mexilhão. No Noroeste Pacífico, temos lingueirões, um marisco carnudo que pode crescer até às seis polegadas. Para encontrá-los, procuras pequenos entalhes na areia e enterras a pá ao lado. Se um buraco começar a burbulhar é um buraco de um molusco. Depois tudo o que tens a fazer é começar a cavar, e se fores suficientemente rápido e meteres o braço no buraco, consegues agarrar o molusco antes de cavar para fugir - e eles cavam rápido. O meu pai era excelente nisso como já o fazia desde jovem. Ele cavava um pouco, depois ficava a ver mais um pouco; cavava um pouco, ficava a ver mais um pouco. Mais ou menos a forma como eu abordava a vida.

Em miúdo, nunca fui bom a apanhar mexilhões, mas adorava brincar na areia. Quanto mais velho fiquei, melhor me tornei, contudo o meu pai foi sempre muito melhor que eu. Eu ainda tendo a partir-lhe a concha enquanto cavo. Após chegarmos aos nossos limites de quinze mexilhões por pessoa, voltávamos para casa, e dentro de um dia ou dois, estávamos a comer mexilhões fritos ao jantar, que foi sempre dos meus pratos favoritos.

Algo que eu sempre apreciei em relação a cada um dos meus pais é que nenhum deles alguma vez falou mal do outro. Tenho a certeza que depois do divórcio queriam, mas nunca o fizeram. Eventualmente o meu pai casou com uma mulher maravilhosa chamada Darby que esteve ao seu lado, pelos altos e baixos. Ela tem um estupendo sentido de humor e sempre me tratou lindamente e à Billie Sue sempre que lá íamos. Jogávamos cartas ou víamos jogos dos Seahawks, e mesmo que não fizéssemos nada, passávamos um bom bocado.

O divórcio dos meus pais foi muito duro para a minha mãe porque ela sempre foi uma mãe doméstica. Ela não tinha muito mais que educação secundária e tinha trabalhado muito a servir mesas até ao nascimento da minha irmã e o meu. Minha mãe não sabia o que fazer, como existiam poucos trabalhos em Aberdeen que pagariam dinheiro suficiente a uma mulher sem educação superior e dotes profissionais limitados, que não trabalhava há anos, para suportar uma família. Mas a minha mãe não desistia. Começou por se voluntariar para a central nuclear Satsop, a orientar excursões e assim. Trabalhou tanto que a contrataram, mas a central nuclear nunca esteve realmente completa e após uns anos, a minha mãe foi demitida. Minha irmã e eu nunca ouvimos uma queixa dela sobre nada disso. Em breve começou a ir à faculdade comunitária, mesmo que tivesse que ter algumas aulas que não contavam para os créditos do seu diploma, apenas para apanhar a matéria. A minha mãe trabalhou duro na escola, e por cima disso, trabalhou dois empregos, um em cada estabelecimento comercial diferente. E ela nunca - usando um termo de wrestling - "vendeu" estar cansada perante nós. Olhando para trás, nunca saberei como ela conseguiu, porque ela estava sempre lá para nos buscar, dos nossos vários treinos e ensaios, vinha sempre aos nossos jogos, e preparava-nos todas as refeições. (Nunca comíamos fora.) Não consigo imaginar como ela tinha horas suficientes num dia. A minha mãe trabalhava que se desgraçava e graduou em 1999, uns dias antes de eu concluir o liceu. Ela prosseguiu para o mestrado em aconselhamento psicológico, e trabalhou nesse campo, a ajudar pessoas, desde então. Minha mãe também voltou a casar - porém bem depois deu eu ter começado com o wrestling. O seu marido era um homem formidável e esperto, chamado Jim e vivem juntos até hoje.

No próximo capítulo: Damos início ao quarto capítulo! Bryan nunca foi miúdo de ter dúvidas em relação ao que queria ser quando crescesse. Leiam a primeira parte do próximo capítulo e acompanhem o início da transição de Bryan do wrestling da TV e do sofá da sala para ringues a sério. Não foi fácil!
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