Lucas Headquarters #170 – Dump Matsumoto: A “Rainha das vilãs” que fez sempre o que quis
Ora então boas tardes, meus elfos do Pai Natal!! Como estão?
Bem-vindos sejam a mais uma edição de “Lucas Headquarters” aqui no
WrestlingNotícias!! Preparados para o frio? Ele vem aí… e estamos a 17 dias da
Véspera de Natal… e depois vem aquele velho ditado “ande o frio por onde
andar…”. Yo no creo en brujas, pero que las hay…
Ora bem, este artigo é um artigo que eu já tenho andado a
querer escrever desde que saiu a série documental “A Rainha das Vilãs”, mas
infelizmente, só à data que este artigo vai sair eu provavelmente terei
terminado de ver os cinco episódios que constituem esta série. E, já que
falamos na série, há um par de parabéns que tem, obrigatoriamente, de ser dado.
Primeiro, aos atores e atrizes que tão bem encarnaram as
personagens que contam a história de vida de Kaoru “Dump” Matsumoto. Seria
difícil encontrar atores, atrizes (e até comediantes) que tão bem transpusessem
todos os nomes que contemplam o universo de vida da lendária wrestler para
o pequeno ecrã. Toda a forma como encarnaram os respetivos papéis foi perfeita.
Segundo, último, mas definitivamente não menos importante, há
que dar os parabéns à Netflix. Sim, já devem ter reparado: O conteúdo
relacionado com o wrestling tem conhecido um aumento de produção naquela
plataforma, naquilo que pode ser descrito como um “efeito secundário” da
parceria da gigante do streaming com a WWE, que nos parece, a todos nós
que somos fãs do círculo quadrado, algo extremamente expectável e natural.
A Netflix vai passar a transmitir a WWE ao vivo num grande
número de países já a partir da primeira semana de 2025 (e Portugal está
incluído no lote desses países, felizmente) portanto, até que essa transmissão
se inicie (e já estamos a menos de um mês), é óbvio que a Netflix queira atrair
o maior número de fãs de wrestling possível.
A produção de novo conteúdo relacionado com essa temática até
ao dia 6 de Janeiro parece bastante improvável devido, precisamente, a questões
de calendário, mas a Netflix espera que o número de espectadores quer do
documentário de Vince McMahon quer desta série documental sobre Dump Matsumoto
continue a aumentar e a constituir um bom “aperitivo” para o que nos espera já
daqui a quatro semanas.
Dito isto, a série documental sobre Dump Matsumoto é
provavelmente das melhores coisas que vocês vão ver nos próximos tempos, e não
apenas por estarmos a falar de wrestling ou de uma wrestling que
se afigurou como um dos grandes ícones do joshi wrestling nos anos 80,
mas porque me pareceu ser uma obra que ultrapassa as fronteiras do wrestling,
e que por isso eu consigo recomendar a qualquer um, inclusive em quem não
aprecia esta modalidade tanto quanto já o fez no passado.
A série documental sobre Dump Matsumoto oferece, também, uma
excelente perspetiva sobre aquilo que é preciso acontecer para que um simplório
qualquer se torne um wrestler de sucesso. Não, meus caros comensais do wrestling:
Não basta entrar numa escola de wrestling e completar um par de treinos.
Essa é a ideia que nos é vendida por quem, com o suor da sua perseverança,
conseguiu concretizar esse sonho que é chegar à ribalta do wrestling.
Há n’A Rainha dos Vilões toda uma demonstração interessante,
fascinante, mas ao mesmo tempo dolorosa e realista, daquilo que é a
autossuperação e os obstáculos que um wrestler tem obrigatoriamente que
enfrentar antes de chegar sequer à fase da escola de wrestling, dos
treinos, dos primeiros combates e da consequente fama. Rapidamente somos
colocados frente a frente com aquilo que é o pão nosso de cada dia até para
quem é um simples fã de wrestling: O preconceito. Pelo quê, perguntam
vocês, já cientes da resposta? Por nada. Simplesmente, por ser fã. A descrença,
o torcer o nariz, o acreditar que o wrestling não nos vai salvar a vida,
mesmo que queiramos muito ser wrestlers e que acreditemos muito no nosso
potencial enquanto possíveis wrestlers.
E é verdade, infelizmente. O wrestling não salvava
vidas em 1974, quando Kaoru (nome verdadeiro), tal como qualquer um de nós, era
apenas uma fã que sonhava com um futuro promissor dentro do ringue. O wrestling
não salvava vidas nessa altura, tal como está muito longe de salvar vidas
passados cinquenta anos. Mas a principal lição que A Rainha das Vilãs nos
ensina é que nenhum obstáculo é demasiado grande. E Dump teve de passar por
muitos: Desde o desprezo e desconfiança daqueles cujo principal papel e
responsabilidade era apoiá-la, até à inaptidão física e dificuldade em
assimilar até os conceitos mais básicos do wrestling, o que a levou a
ser alvo de chacota.
Quem havia de dizer, pois, que seria isso que transformaria
Kaoru Matsumoto, uma jovem wrestler com sonhos de ser um dos grandes
nomes do wrestling feminino japonês (que já naquela altura tinha Chigusa
Nagayo, Jaguar Yokota e, um pouco mais tarde, Bull Nakano como figuras de proa)
numa das mais icónicas wrestlers da história da modalidade nas Terras do
Sol Nascente?
Pois… Talvez ninguém. Mas, por entre tumultos pessoais, concorrência leal e alguma irreverência (aliada a várias referências à cultura internacional do seu tempo, Dump Matsumoto lá conseguiu deixar a sua marca. Teve uma carreira curta, foram apenas oito anos no auge (e vamos falar disso com mais detalhe daqui a nada), mas, não raras vezes, o wrestling tem o dom de nos mostrar que as carreiras curtas são, muitas vezes, mais impactantes do que carreiras de dez ou quinze anos.
E é preciso que tenhamos em mente
aquilo que já tantas vezes referi aqui: Ao contrário do que começa a ser a
norma por estes dias, dos anos 80 até ao início desta década, carreiras no wrestling
que duram entre cinco a dez anos eram a lei, muito poucas carreiras nesse
tempo terão durado mais – talvez apenas a de Nanae Takahashi, wrestler de
45 anos que se estreou em 1997 e continua ativa até hoje como parte da
MARIGOLD, tendo, pelo caminho, fundado a STARDOM e a SEAdLINNNG.
Afinal, quem foi Dump Matsumoto?
A história de Kaoru Matsumoto começa a 11 de Novembro de 1960
em Kumagaya, na província de Saitama. Kaoru cresce num contexto extremamente
difícil: Oriunda de uma família pobre, Kaoru era a mais velha de duas filhas e
viveu grande parte da sua infância num T1 com poucas condições. A mãe deambulava
de emprego em emprego para a sustentar a ela e à filha mais nova, Hiromi, ao
passo que o pai vivia, grande parte das vezes, à margem das leis, tendo tido
uma relação extraconjugal da qual resultou uma filha, também ela chamada Kaoru.
A pobreza com que a Kaoru primogénita se viu a braços foi tal que, com apenas
seis anos de idade, roubava comida para sobreviver.
Matsumoto, então com 15 anos, foi inspirada a tornar-se wrestler
em 1975, graças ao trabalho desenvolvido por Mach Fumiake, que era
pouco mais velha do que ela na altura (tinha apenas 16 anos) e já era WWWA
World Single Champion. Com efeito, no ano seguinte, fez um tryout na
AJW, sem sucesso. Já depois de ter praticado tiro ao arco e basquetebol, havia
de tentar novo tryout em 1978, sem sucesso; e outro em 1979, onde foi,
finalmente, bem-sucedida.
1980-1986: A morte de Kaoru para o wrestling e o
nascimento de Dump, as Crush Gals e os
confrontos com Chigusa Nagayo; incidentes fora
do ringue
E assim chegamos a 1980, inicia-se uma nova década, e dali a
uns anos, uma nova Kaoru. Mas já lá iremos. Primeiro, vamos ao final de 1982:
Depois de dois anos na sombra dos grandes nomes da AJW, Kaoru alia-se à Devil
Corps, stable liderada por Devil Masami, torna-se heel e a 8 de
Janeiro de 1983, vence Lioness Asuka pelo AJW Championship. Reinaria por seis
meses com o título até perdê-lo para Asuka passados seis meses, a 1 de Junho.
Agora sim, 1984. Kaoru “morre” para o wrestling e das
cinzas de Kaoru nasce Dump Matsumoto, uma heel irreverente e arrojada
tanto no ringue como atrás das cortinas. Tinha como imagem de marca o estilo
marcadamente brutal e agressivo (a fazer lembrar o que hoje conhecemos como deathmatch
style) onde fazia uso de vários objetos, como por exemplo, correntes de
aço. Mas não foi apenas no ringue que Dump marcou posição, senão na própria
aparência: Dump desafiou as normas culturais do Japão dos anos 80 ao tingir o
cabelo de loiro e adotar uma maquilhagem inspirada na lendária banda de rock
KISS.
Matsumoto formou a “Atrocious Alliance” ao lado de Crane Yu e
de uma jovem, mas já muito promissora Bull Nakano, e entrou em feud com
as Crush Gals, naquela que seria uma feud histórica para o wrestling nipónico,
catapultando o círculo quadrado e a AJW para níveis de popularidade nunca
vistos naquele país. Ao lado de Crane Yu, Matsumoto derrotou as Crush Gals pelo
WWWA World Tag Team Championship, corria o dia 25 de Fevereiro de 1985. O
reinado não durou mais do que dois meses, porque Crane Yu resolveu terminar a
carreira. Só para vocês terem noção, 12% da população japonesa esteve colada ao
ecrã nessa noite só para ver o combate, algo que nem o wrestling americano
conseguiu replicar nos seus tempos mais áureos, isto numa altura em que a
popularidade das Crush Gals no Japão atingia níveis semelhantes à de Hulk Hogan
na esfera ocidental do wrestling.
1985 e 1986 são anos que ficam marcados pela intensa feud entre
Dump Matsumoto e Chigusa Nagayo, que culminou numa série de combates hair vs
hair. Matsumoto venceu o primeiro e, como resultado, Nagayo foi obrigada a
rapar o cabelo. A estipulação teve consequências inesperadas fora do ringue:
Matsumoto foi agredida por mais de 500 fãs quando estava a deixar a arena, e
foi alvo de um incidente num bar, onde levou com uma garrafa de vidro atirada
por um fã bêbedo, que se quis vingar em nome de Nagayo.
1986-1988: Curta estadia na WWE, um último
título na AJW e o adeus aos ringues
Em 1986, Matsumoto faz uma curta aparição na então WWF ao
lado de Bull Nakano, enfrentando Velvet McIntyre e Dawn Marie num primeiro Tag
Team Match a 8 de Março, que perderam; e um segundo contra Velvet McIntyre e
Linda Gonzales, uma semana depois, que venceram.
Segue-se o regresso à AJW e o ressurgir da feud com as
Crush Gals: Matsumoto e Nakano fazem nova dupla e enfrentam Lioness Asuka e
Kazue Nagahori (que substituiu uma lesionada Chigusa Nagayo) para conquistar o
WWWA Tag Team Championship a 23 de Agosto, num reinado que duraria até 1987,
quando a dupla foi forçada a abdicar.
A 25 de Fevereiro de 1988, Matsumoto anuncia o fim da
carreira, contando apenas 28 anos de idade. Teve por última parceira Yukari
Ohmori contra as Crush Gals, e ainda lutou ao lado de Chigusa Nagayo, sua velha
rival, contra Ohmori e Lioness Asuka. Três dias depois, a 28 de Fevereiro, teve
um último combate contra Bull Nakano e Condor Saito, fazendo cair o pano numa
carreira curta, mas marcante.
Dump e os Road Warriors: Uns não existem sem
outros
Pouca gente não sabe, mas grande parte da imagem dos Road
Warriors (aka Legion of Doom) tem forte inspiração naquilo que foi o
percurso de Dump Matsumoto. Claro que a pintura não era a mesma e nem o
penteado, mas a atitude, essa, tinha uma ténue diferença que quase não se
notava a olho nu.
Com o sucesso da história de Dump Matsumoto enquanto wrestler que influenciou uma era junto das novas gerações de fãs de wrestling (graças ao impacto d’A Rainha das Vilãs) parece consensual que, apesar dos Road Warriors terem criado o seu próprio impacto enquanto Tag Team, muito do appeal visual que os caraterizou, assim como algumas caraterísticas da sua atitude, têm traços bem marcados de Dump Matsumoto.
Isto atesta bem que,
apesar do seu impacto ter ficado quase sempre circunscrito ao Japão e da sua passagem
pela América ter sido curtíssima, Matsumoto, em toda a sua irreverência, causou
impacto suficiente para que outros a vissem como influência, mesmo que apenas
tivesse passado uma década desde o fim da sua carreira.
E vocês, já
conheciam a história de Dump Matsumoto? Já viram “A Rainha das Vilãs”? O que
acharam da série?
E assim termina mais uma edição de “Lucas Headquarters”!! Não
se esqueçam de passar pelo nosso site, redes sociais, deixem a vossa opinião aí
em baixo… as macacadas do costume. Para a semana cá estarei com mais um
artigo!!
Peace and love, até ao meu regresso!!