Lucas Headquarters #131 – Saber sair com classe
Ora então boas tardes, comadres e compadres!! Como estão?
Sejam bem-vindos a mais uma edição de “Lucas Headquarters” aqui no
WrestlingNotícias!! Peço-vos, antes de mais nada, que não se assustem com o
título: Vamos falar de um fim, sim, mas não é do fim deste espaço, se as marés
forem propícias ainda espero escrever muitas entradas durante muitos anos, e
fora algumas pausas (mais ou menos forçadas) ao longo de todo este tempo de
“Lucas Headquarters”, a verdade é que não me posso queixar, porque tempo não me
tem faltado para dedicar aos assuntos semanais do wrestling uma boa dose de divagação: Às vezes séria, às vezes não.
Como ainda agora tiveram ocasião de ler, vamos falar de um
fim. E é interessante olhar para o significado quase nulo que a palavra “fim”
tem no showbusiness hoje em dia. Em
90% dos casos, quem se retira faz-nos acreditar que é mesmo o fim, que vai
pendurar as botas, fechar a loja, que vai e que já não volta, quer sopas e
descanso e agora é que vai ser. Agora é mesmo o fim. Agora é mesmo a sério.
Mas quem tem dois dedos de testa (ou até um dedo e meio) sabe
que o “fim” só é “fim” enquanto as poupanças de 25 a 30 anos de carreira
durarem. Quando sobrarem só cinco cêntimos e não houver outra fonte de
rendimento (porque a maior parte dos que acabam a carreira, a não ser por
questões de ordem física, já tem, em muitos desportos, dos 40 para cima, no
mínimo) aí eles voltam.
E acredito, muitas vezes, que eles nem estejam muito
dispostos a isso, mas a grande caraterística do espectador de desporto e do
consumidor de arte (sobretudo arte sonora) é não se conseguir desapegar do
excesso de nostalgia. E isso é um fator tão ou mais decisivo do que o fim das
poupanças de uma carreira.
Shawn Michaels. Retirou-se em 2010, depois de ter perdido o combate Streak vs Career que teve contra Undertaker na WrestleMania e que aumentou a streak do Deadman para 18-0.
Meses depois, soube-se que o Heartbreak Kid escolheu fazer descer o pano sob a sua espetacular
jornada para acompanhar o crescimento do filho Cameron (que tinha nove anos à
altura dos acontecimentos) depois de, em conversa com um dos empregados da
empresa, ter ouvido dizer que o filho já tinha percorrido metade do caminho em
direção à idade adulta – que de modo geral se alcança aos 18, embora nos
Estados Unidos só seja plenamente atingida aos 21 (por questões relacionadas
com o consumo de álcool).
Pouco tempo depois do combate lembro-me também de ter lido o
excerto de uma entrevista – imaginem vocês – no Record, no tempo em que este
jornal desportivo cobria, quase diariamente, acontecimentos relacionados com o wrestling – já estávamos na fase final
do boom que a modalidade atingiu por
cá. Nesse excerto – que podem ler aqui – Shawn Michaels afirmava taxativamente
que o que estava feito, feito estava e não ia voltar com a palavra atrás…
…até chegarem os milhões da Arábia e a consequente nostalgia
que alimenta o interesse dos fãs do Médio Oriente pelo wrestling. É então que, já careca e com uma aparência bem mais
desgastada do que os 53 anos que tinha na altura, HBK se junta a Triple H para
fazer regressar os D-Generation-X contra os Brothers of Destruction, naquele
que fica na história como um dos piores combates alguma vez produzidos. O
resultado final foi tão mau, mas tão mau, que foi aí que Shawn se apercebeu que
o corpo já não conseguia acompanhar a exigência do círculo quadrado…
Na noite seguinte, no RAW, uma despedida com pompa e
circunstância, como só os melhores merecem, onde até se viu Undertaker quebrar
o kayfabe enquanto abraçava o Naitch
– uma raríssima ocasião, já que o próprio havia feito caminho até ao ringue com
a indumentária própria da gimmick.
Seguiram-se os tradicionais juramentos de nunca mais voltar a
lutar… Balelas. Dois anos na TNA, combates com Abyss e Jay Lethal… e vamos
mesmo falar do Ric Flair’s Last Match?
Caramba, o homem desmaiou duas vezes durante a contenda…
Goldberg. Ah, como não incluir aqui o Goldberg? O homem cujo percurso foi de memorável na WCW a memorável… enterro na WWE (e não estou a falar da primeira passagem, embora um ano tenha sabido a pouco – e aquele combate com Brock Lesnar na WrestleMania XX então… não soube a nada). E se é verdade que a Goldberg faltou sempre aquele career threatening match que tanto Michaels como Flair tiveram, a verdade é que, naquele RAW de 2016 em que regressou para dar build ao tal combate em que humilhou publicamente o seu velho arquirrival Brock, o próprio admitiu que se calhar era melhor que se tivesse ficado pelo videojogo.
Mal sabia ele que mais do que uma frase para dar conteúdo a
uma promo, essa frase acabou também por ser uma premonição: Desde a “humilhação”
que impôs a Bray Wyatt (e que praticamente “matou” toda a aura do The Fiend)
até ao festival de botches que protagonizou com Undertaker, este último que
podia ter resultado em algo bem mais grave – nenhum dos dois hoje deve saber
como é que escapou a um último terço de vida confinado a uma cadeira de rodas,
ou, sabe-se lá, até mesmo à própria morte.
A razão pela qual estes três nomes figuram aqui, é porque das
duas uma: Ou juraram quase a pés juntos que nunca mais voltavam a lutar e
voltaram atrás nas suas promessas (o que revela, na minha opinião, alguma falta
de integridade, porque se calhar fizeram-no em troca de um dinheiro que não necessitam
assim tanto) ou porque já estavam bem convencidos de que o seu percurso tinha
acabado ali, mas tinham que se autoempurrar uma última vez pela garganta dos
fãs abaixo, sabendo perfeitamente que já não conseguiam acompanhar o ritmo.
E isto leva-nos até Sting. Um wrestler que, tal
como estes que mencionei, podia muito bem já estar de bem com a vida, já dar a
sua carreira como arrumada, ou ainda, ter-se ido embora para depois fazer o
mesmo que Goldberg e sentir necessidade de se autopromover quando já não tinha
mais promoção a fazer.
Mas Sting não é, de todo, um caso desses. Aliás, diria até
que Sting é um wrestler… especial, por vários motivos.
Primeiro, porque é um wrestler que atravessa gerações.
Que se soube reinventar quando foi preciso sem nunca perder aquilo que era o
seu carisma, a sua aura enquanto wrestler – mesmo que, naquela fase
inicial, tenha desempenhado apenas o papel de surfista estereotipado e que o
sucesso só tenha chegado às custas de uma personagem que tinha tanto de
misterioso como tinha de espetacular, numa altura em que a WCW estava no auge e
precisava do seu valioso contributo para não perder a corrida à então WWF nas
famosas “Monday Night Wars”.
Neste sentido, Sting pode – e muito provavelmente é –
comparado a Undertaker, que, tal como ele na WCW, foi figura de proa na WWE durante
trinta anos. Ambos os wrestlers atravessaram diferentes eras, extravasaram
as fronteiras da cultura do wrestling (embora para Sting isso tenha sido
mais complicado, precisamente por existir o músico americano que usa o mesmo nome
artístico) e deixaram uma marca indelével na memória dos fãs. Muito mais é o
que os une do que os distingue.
O que os distingue, se é que ainda existe algo, não é tanto
alguma coisa que eles tenham de diferente no seu move-set, na sua
apresentação, na sua forma de, em tempos idos, manter viva a noção sagrada de kayfabe.
O que os distingue é a forma como escolhemos reagir às coisas depois desse
período áureo da viragem do século ter passado.
E isto não devia, penso eu, ser assim tão difícil de perceber.
Orientemo-nos pelo velho ditado, muitas vezes aplicado nos desportos coletivos:
“A cara de quem ganha é sempre diferente da cara de quem perde”. A WWE
ganhou as Monday Night Wars, comprou e depois absorveu todo o percurso
da WCW – tal como o faria, depois, com a ECW – e Sting passou a ser apenas um afterthought
durante muitos anos, pelo menos até que voltasse a concentrar em si todas
as atenções durante a sua run na TNA.
Talvez tenha sido por esta razão que, até 2015, Sting recusou
sucessiva e taxativamente assinar com a WWE. Talvez ele soubesse que, da forma
como a WWE age, provavelmente seria destratado se fosse lá parar logo em 2002 –
tal como o foi em 2015.
Segundo, porque é um wrestler que demonstrou que não
existe limite para competir dentro de um ringue de wrestling. Claro, a
forma física é sempre um fator determinante – e se o corpo estiver a dar as
últimas, mais vale parar. Mas, tirando Ric Flair – que teima em aceitar esse facto
– até há pouco tempo, fins de carreira aos quarenta e tal, com sorte, cinquenta
e tal, era a norma, muito devido ao fator das lesões.
A intemporalidade de Sting – aliado à sua longevidade em ringue
– tornam o Vigilante num caso de estudo para os atuais (e futuros wrestlers):
Como é que é possível que eu me possa manter em boa forma física, de tal forma a
que chegue aos 60 capaz de fazer um combate satisfatório? Fica a pergunta
para reflexão.
E se o tal combate contra Undertaker tivesse
acontecido?
Falando em Sting e Undertaker, um possível combate entre ambos foi assunto muito falado entre os fãs muito antes de Steve Borden se juntar à WWE. Mas o que muito poucos sabem – e que o próprio Sting finalmente admitiu ontem à CBS Sports – é que uma das razões pelas quais o Icon finalmente assinou pela empresa com a qual concorreu durante anos é que tinha esperança de finalmente poder confrontar o Deadman. O combate, bem o sabemos, não aconteceu, por toda uma panóplia de fatores que agora não vale a pena esmiuçar.
Eu sou-vos sincero, e isto pode parecer uma unpopular opinion: Ainda bem que este combate não aconteceu. Conhecendo os fãs da WWE, se o combate tivesse acontecido, imaginemos, com a Streak em jogo (na minha opinião, o único contexto possível para que o combate tivesse lugar) e Sting perdesse, vinha um coro de vozes dizer que a WWE não respeitou o seu legado; se ganhasse, dir-se-ia que a Streak teria sido quebrada por alguém com quem Undertaker não tinha qualquer história. Pela primeira vez em muitos anos, a WWE fez serviço público ao poupar a malta a eterna insatisfação das massas…
Saber sair com classe
Recuperando o título deste artigo, Sting é, acima de tudo, um
exemplo de como saber sair da cena com classe. Na altura em que saiu da WWE, é
claro que todos tínhamos a certeza de que tinha que fazer mais alguma coisa,
porque as novas gerações não tinham visto nada da sua parte. Fê-lo, e fê-lo
bem: Ajudou a AEW a estabilizar-se continuamente numa fase inicial (vale lembrar
que chegou em Dezembro 2020, um ano e meio depois da AEW ter começado a entrar
pelo nosso ecrã), revelou ao mundo alguém tão bom como Darby Allin e ainda
trabalhou com nomes como Edge e Christian Cage.
Só isto já seria suficiente para que alguém terminasse a
carreira com um tremendo sentido de realização. Mas, como para Sting nada é
certo – pelo menos até esta noite – havia que terminar com nota artística. E
para todos os efeitos, Sting fê-lo ao cumprir todos estes requisitos. Agora, é
hora das “sopas e descanso” – bem que as merece – mas não sem antes fazer
descer o pano com uma última performance para a história… e talvez um último
teste à lei de Isaac Newton, quem sabe?
O que esperam do último combate de Sting?
A nós, enquanto fãs de wrestling, só nos resta agradecer por tudo aquilo que
ele deu a esta modalidade, pelas centenas de carreiras que inspirou, pela forma
como marcou todos e cada um. Se é verdade que as lendas permanecem, também é
verdade que há lendas que conquistam o direito a serem únicas. Podem aparecer
muitos wrestlers de cara pintada e ring gear negro com escorpiões brancos e bastões de basebol, mas só haverá um Sting.
E assim termina mais uma edição de
“Lucas Headquarters”! Não se esqueçam de passar pelo nosso site, pelo nosso
Telegram… e para a semana cá estaremos de novo, se tudo correr bem.
Peace and love, até ao meu regresso!!