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Lucas Headquarters #91 – Hana Kimura (1997 – 2020): A flor perigosa que murchou cedo demais


Boas tardes, comadres e compadres. Como estão? Espero que bem. Sejam bem-vindos a mais uma edição de “Lucas Headquarters” aqui no WrestlingNotícias. Como já tiveram ocasião de reparar (se não foi pelo título, presumo que pela saudação inicial, que hoje foi um pouco mais direta) o artigo de hoje vai ser tão ou mais custoso do que o da semana passada.


O artigo da semana passada foi, também ele, um artigo que me custou muito a escrever, porque falava de uma wrestler que, quando comecei a ver STARDOM no Verão de 2021, simplesmente não me interessava muito, mas que, com o passar do tempo, fui aprendendo a apreciar. E quando já me sentia um completo apreciador da sua ring skill, vem a decisão de arrumar as botas e seguir outros caminhos. 


Nada contra. Como fiz questão de dizer já no fim do artigo, a Himeka gozou da grande virtude que deve sempre ser cada wrestler ter a oportunidade de terminar a carreira nos seus próprios termos. Há muitos – mais do que inicialmente pensamos – que muitas vezes não têm essa mesma oportunidade, seja porque o corpo já não permite (embora o esforço, muitas vezes, continue a ser feito) ou porque, por circunstâncias da vida, partiram cedo demais para o Olimpo do wrestling.


 Himeka teve essa oportunidade e usou-a. Fez muito bem. Sai contente, sem arrependimentos, ciente de que a sua contribuição para o wrestling, apesar do pequeno palmarés que fica, é tão ou mais valiosa do que os dois títulos que venceu.



Mas porque, precisamente, há wrestlers que não tiveram essa oportunidade, é que me veio à cabeça dedicar o artigo desta semana a uma dessas wrestlers. Curiosamente, contemporânea de Himeka em tudo – na idade, na altura em que despontou no wrestling…. Era um artigo que, independentemente do facto de Himeka continuar nos ringues ou não, já estava planeado para esta data. 


Porque mesmo que a Jumbo Princess não tivesse terminado a sua jornada no círculo quadrado, iria continuar a haver wrestlers que não tiveram a oportunidade de completar a sua história pelas mesmas razões que a wrestler que hoje quero homenagear.


Felizmente para nós, que amamos esta modalidade quase como se fosse a única coisa que nos resta em muitas circunstâncias (e às vezes é mesmo), tem existido um número cada vez maior de casos que seguem o caminho inverso. Edge, Saraya, Bryan Danielson: Todos estes nomes sofreram lesões graves (e potencialmente incapacitantes) que os obrigaram a terminar as suas carreiras da maneira que não queriam. Temo que com Randy Orton aconteça o mesmo, mas isso ficará para outro artigo.



O problema aqui é que, ao contrário destes nomes, nunca mais teremos hipótese de ver esta menina realizar um regresso tão épico como o do Rated R-Superstar em 2020; ou contribuir decisivamente para o conto de fadas que foi a KofiMania um ano antes.


Hoje quero falar-vos da Dangerous Flower, Hana Kimura, que, passam três anos nesta terça-feira, partiu de forma inglória. 




E sim, eu sei que nesta semana também passam três anos do trágico desaparecimento e morte de Shad Gaspard, mas pareceu-me sempre especialmente relevante relembrar Hana pelas circunstâncias em que partiu. Não que o que aconteceu com Shad Gaspard não seja igualmente trágico – e paradoxalmente heroico – mas este último foi vítima, em certa medida, da própria natureza. Hana Kimura foi indiretamente vítima das pessoas que foi encantando com o seu talento.



E ao pensar neste artigo, ao escrever este artigo, vêm-me à cabeça um outro tópico que acho que faz todo o sentido abordar mais que deixarei como remate a esta edição: O do respeito pelos wrestlers. Mas por agora importa saber quem foi a Hana Kimura, o impacto que ela teve na cena joshi (e wrestling em geral) e o legado que deixa.


Como já tinha mencionado, Hana Kimura e Himeka são contemporâneas em tudo: Na idade (Hana Kimura era uns meses mais nova), na altura em que despertaram para o wrestling e na forma como eram vistas quer pelos responsáveis da STARDOM, quer pela crítica especializada (jornalistas, comentadores…) e pelos fãs. A diferença é que Himeka nunca se mostrou muito à vontade com o facto de um dia ser um nome de topo, e quando falamos da Hana Kimura, isso corria-lhe no sangue. 


Hana Kimura era uma wrestler de segunda geração: A mãe, Kyoko Kimura, é uma lenda do joshi, tendo contribuído para dotar o wrestling feminino japonês de tendências mais hardcore. 


Kyoko teve também um papel fundamental nos primeiros anos de vida da STARDOM, tendo sido um membro ativo do roster nos seus primeiros seis anos de existência e a primeira líder das Oedo Tai, a stable heel da companhia. Aliás, ela própria preparou a filha para integrar o grupo e Hana chegou a ser o seu único membro (sim, isso mesmo) durante alguns meses.



Hana era vista como uma das mais brilhantes wrestlers a sair da chamada “Geração de Ouro” da STARDOM. Este “grupelho” continha, para além da própria Hana e de Himeka, nomes como Utami Hayashishita, Arisa Hoshiki, Maika ou Saya Iida e, embora não fosse uma designação oficial (antes um recurso expressivo jornalístico para salientar o potencial de três jovens wrestlers com grandes perspetivas de futuro que coexistem numa determinada altura), a verdade é que, embora muitas destas wrestlers estejam hoje no seu auge, Arisa Hoshiki e Hana Kimura foram as primeiras a despontar. 



A STARDOM foi mais longe com a Dangerous Flower e chegou mesmo a prepará-la para ser uma espécie de – perdoem-me a hipérbole – John Cena japonês. Não que a Hana tivesse só um conjunto limitado de moves em ringue, como tantas vezes se diz que John Cena tem; ou que a sua gimmick fosse apenas a de uma babyface com um discurso que nos faz acreditar que o mundo é bonzinho e maravilhoso e somos capazes de tudo e só temos de olhar para dentro.


Mas a verdade é que ser filha de uma wrestler com a sua quota-parte de influência na modalidade já lhe dava alguma vantagem. E essa vantagem já era de tal forma destacada que a STARDOM foi “obrigada”, numa primeira fase, a tornar Hana numa figura de destaque, bookando-a para deixar as Oedo Tai e fundar as Tokyo Cyber Squad, que incluiu nomes como Konami, Jungle Kyona, Ruaka, Rina e Leyla Hirsch. 




Foi por essa altura que Hana chegou a pisar solo americano, competindo na Ring of Honor por duas vezes: A primeira, contra Sumie Sakai; a segunda, fazendo trio com Sakai e Stella Gray contra Jenny Rose, Hazuki e Kagetsu, na altura representantes das Oedo Tai. 






Mas a sua popularidade já tinha extravasado em grande medida as cordas de um ringue, tanto que, à altura da sua trágica partida, Hana Kimura era uma das figuras de destaque da quinta temporada do conhecido reality show “Terrace House”, intitulada Terrace House: Tokyo 2019-2020, cujo lançamento de novos episódios ficou suspenso após a sua trágica morte a 23 de Maio de 2020, quando Hana se suicidou após não conseguir resistir a uma depressão, que teve origem nas várias críticas de que foi alvo por ter discutido com um colega de casa que lhe estragou o ring gear durante um episódio que foi para o ar em Março. 



E é chegado aqui que quero abordar o tal tópico que disse que fazia sentido abordar e que deixaria como forma de rematar esta edição: O do respeito aos wrestlers.


É sempre fácil identificarmo-nos com um wrestler e vermos nele – ou nela - um super-herói ou uma fonte particular de inspiração (eu próprio tenho wrestlers que admiro e que considero como inspirações na forma como me incentivam indiretamente a seguir em frente ou na forma como olho para esta modalidade que tanto amo).


E esse reflexo de nós próprios que projetamos nos wrestlers é por vezes tão forte e tão intenso que não só nos leva à parcialidade (fenómeno que, apesar de não ser tão proeminente no wrestling como por exemplo no futebol, não deixa de existir) como nos leva a algo que, a mim, me parece ainda mais grave: Concentrarmo-nos nos wrestlers e esquecermo-nos das pessoas que lhes dão corpo.


Vocês sabem – ou têm noção, pelo menos – de uma das razões pelas quais a Himeka decidiu fechar este capítulo do wrestling aos 25 anos? Precisamente por nos esquecermos que, por detrás da Himeka Jumbo Princess, existe uma Himeka Arita que é uma pessoa como qualquer outra e que teve que ler, muitas e muitas vezes, comentários depreciativos para si e para a família, estando a passar pela maior contrariedade da vida: A perda de um dos progenitores (neste caso o pai).




Vocês sabem porque é que a Hana Kimura decidiu tirar a própria vida, no auge da sua carreira e popularidade, aos 22 anos? Porque a nossa admiração por ela era tão intensa que não lhe admitíamos qualquer falha. Da mesma maneira que, no sentido oposto, a nossa vendetta com certos wrestlers – e todos temos uma, eu incluído – não nos permite perdoar sequer essas falhas.




Seja pelas recusas de Rey Mysterio ou Rhea Ripley em assinar artigos que iriam acabar no EBay que muitos supostos “fãs” levaram a peito, ou por outra coisa qualquer. Mas o desrespeito por quem nos entretém semanalmente ao longo de duas a três horas acontece precisamente quando não admitimos ouvir um “não” por parte de quem, só por estar ali para nos fazer felizes, tem de dizer sempre que sim.


Se os Headquarters continuarem a existir por mais alguns anos, gostava de, todos os anos por esta altura, lembrar um bocadinho de quem foi Hana Kimura. Porque a sua partida foi muito mais que apenas isso: Foi uma chamada de atenção de que ainda temos um longo caminho a percorrer para tornar este mundo num mundo melhor.


Deixemos que os nossos wrestlers favoritos falhem. Afinal, nós próprios, na nossa inconsciência humana, falhamos tantas ou mais vezes sem dar por isso.


Para a semana cá estaremos com mais um artigo, e até lá façam o que é do vosso costume (sugerir temas, deixar opiniões…). Respeitemos os wrestlers, sempre. Sem eles, artigos e notícias como as que vocês vêm aqui ler todos os dias não existem. E acreditem, poder falar sobre eles ou das empresas onde trabalham é o maior dos privilégios para um fã.


Não façam com que esse privilégio deixe de existir em cada wrestler que termina a carreira mais cedo por um comentário menos positivo, ou noutros tantos que se sacrificam pelas coisas menos boas que escrevemos sobre eles.


Até para a semana, malta fixe. Descansa em paz, Hana Kimura.
#RememberHana






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