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Unscripted promo #5 - Ingovernável


Pelos vistos, comecei mal. A primeira edição desta rubrica foi dedicada àquele que achava que seria o combate principal do Wrestle Kingdom, o confronto entre Kota Ibushi e Kazuchika Okada pelo IWGP Heavyweight Championship. A New Japan Professional Wrestling decidiu, depois, subir a parada. Em noite dupla de ação, o IWGP Heavyweight Championship e o IWGP Intercontinental Championship vão ser unificados à volta da cintura de apenas um lutador, numa coroação histórica que fechará as honras no Tokyo Dome.

Para ser totalmente sincero, numa primeira análise, torci o nariz perante tal ideia. Estamos a falar do IWGP Heavyheight Championship. É mesmo necessário envolver o Intercontinental Championship na conversa para tornar o combate principal do Wrestle Kingdom 14 mais interessante? Como fã, pessoalmente, o meu investimento num título em relação ao outro não é sequer comparável. E, depois, reparei nos quatro homens escolhidos para dar cara a estes três combates: os já referidos Okada e Ibuhi, Jay White e o homem à volta do qual se vai reger este artigo. Falamos de Tetsuya Naito.

Com o risco de soar um pouco fanboy no que resta deste texto, tenho a dizer que adoro tudo acerca do trabalho de Naito. O seu desempenho em ringue, a sua capacidade em controlar as reações do público ao longo do combate, com especial destaque para os tempos mais amenos da contenda, as suas expressões faciais indecifráveis…



Mas acima de tudo, gosto da história de Naito. Sou daqueles que acredita que o melhor wrestling é aquele que mais se aproxima da realidade. De que determinada vitória, embora previamente planeada, significa algo para a vida do homem ou da mulher que está a dar vida a determinada personagem.

Naito é mais que os seus movimentos em ringue, que a sua entrada, mais que a stable que lidera. Naito representa falhanço. E, mais do que isso, transparece aquilo que todos nós devemos fazer depois de falhar.

Em 2013, Tetsuya Naito foi o vencedor do G1 Climax, o mais prestigiante torneio do mundo do wrestling, a meu ver. Tinha atingido um patamar completamente inalcançável à maioria. Levava no currículo um triunfo que lhe dava garantias de uma carreira de sucesso e de um lugar na elite (no pun intended) do wrestling até ao dia de pendurar as botas. E depois, numa questão de meses, tudo mudou.

O momentum de Naito foi abrandando. À medida que o Wrestle Kingdom de 2014 se aproximava, o interesse do público à volta do então Stardust Genius foi diminuindo, até ao ponto de a própria New Japan agir em relação à tradicional posição do IWGP Heavyweight Champoinship no card do evento. Foi lançada uma votação que determinou que o confronto entre Shinsuke Nakamura e Hiroshi Tanahashi fecharia o evento nesse ano. Sublinho que não se tratou de uma decisão corporativa que empurrou Naito e Okada para uma posição secundária no card. Os próprios fãs é que estipularam que era essa a sua vontade.

Naito perdeu o combate, mais tarde perdeu o seu Never Openweight Championship para Tomohiro Ishii (numa mudança de título muito aclamada pelo público, diga-se) e ficou, ao que parecia, sem rumo. Rumo que encontrou no México. Ao lado de estrelas como La Sombra, agora conhecido na WWE como Andrade, Naito ganhou uma nova atitude, atualizou o seu move-set, e, principalmente, começou a semear as raízes que viriam a originar os Ingobernables de Japon.


A versão japonesa dos Ingobernables começou a ganhar forma com a inclusão de membros como Bushi, Evil e, mais tarde, Sanada. Nessa mesma noite, na noite em que Sanada se estrou como membro desta stable, Naito atingiu o topo e venceu Okada para se tornar o IWGP Heavyweight Champion. O reinado não durou muito, mas o impacto deste regresso e desta reinvenção de Naito eram já incontornáveis. Os Ingobernables de Japon eram já uma das principais equipas da NJPW. Naito era já uma estrela.

Estamos a falar de um homem que foi do Céu ao Inferno em meses, que viu a sua oportunidade de se tornar no principal babyface da New Japan ser-lhe retirada não só pelos responsáveis da companhia, mas, principalmente, pelos fãs. Fãs que aprendeu a reconquistar.

Wrestling é muitas vezes visto como algo superficial, desprovido de qualquer tipo de conteúdo e substância. Mas quantas vezes vimos esta história ser contada em filmes, livros ou outras formas de arte? “O herói está no topo do mundo. O herói é derrotado. O herói reergue-se”. A minha faceta nerd levou-me instantaneamente ao exemplo da triologia do Batman de Chistopher Nolan, mas não é preciso ir tão longe. Todos nós temos presentes nas nossas vidas momentos em que falhámos, em que desiludimos as expectativas das pessoas que nos são mais queridas e as nossas próprias expectativas.  
Por isso mesmo é que este main event do Wrestle Kingdom atraiu tanto o meu interesse. Não porque o Intercontinental Championship vá acrescentar muito mais a este combate, mas sim devido ao facto de ser bem possível que seja o bilhete de entrada de Naito no combate pelo IWGP Heavyheight Championship.

Prevejo um Okada vs Naito pela terceira vez no Wrestle Kindom, daqui a uma semana. Prevejo que Naito, à sua terceira tentativa, derrotará o Rainmaker no Tokyo Dome. Isto pode muito bem não acontecer. Nem está garantido que o antigo Stardust Genius avançará para a segunda noite, para o combate decisivo. Mas mesmo que isso não aconteça, é muito difícil argumentar de que esta história não é uma das mais marcantes do mundo do wrestling na década que agora termina. A história de um wrestler brilhante, de um líder inspirador, mas, acima de tudo, de um homem ingovernável.



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