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Slobber Knocker #135: Muita gimmick, pouco material (Parte 4)


Sejam todos bem-vindos a esta quase Carnavalesca edição do Slobber Knocker. Se não estiverem para a ler hoje, não vos culpo e fico contente por terem melhores planos para o infame Dia de S. Valentim.

Calha bem mencionar a proximidade do Carnaval quando o tema escolhido para esta semana até se adequa à posição. Sem necessitar de me focar à volta do “Carnaval” que se deu com Seth Rollins no início desta semana, resgato apenas aquele velho tema referente a antigas gimmicks “flashy”, analiso o seu (pouco) impacto e avalio as suas chances na actualidade. E é certo, podem muito bem disfarçar-se de qualquer um destes no Carnaval e, mesmo sendo a festa que é, ainda vão conseguir uns olhares esquisitos.

The Sultan


Também calha bem colocar este indivíduo aqui, dado o homem que o interpretava. Fatu, mais conhecido como Rikishi, passou por várias gimmicks antes de estabelecer aquela que o integrará no Hall of Fame da WWE, tal como confirmado esta semana. Uma delas chamava-se simplesmente The Sultan, gimmick que tinha a honra de vir com Iron Sheik como manager – e Bob Backlund também, só para adoçar ainda mais a coisa.

Como o nome indica, The Sultan baseava-se num Sultão mas não podiam deixar a coisa ficar assim simples, tinham que florear a coisa. Era um Sultão mascarado que nunca falava porque lhe tinha sido cortada a língua. Aí a coisa já está mais elaborada. Consegue ser intimidador uma personagem dessas, se for executada da forma correcta. Mas não parece ter durado muito tempo, nem se encontrou muito sucesso para Sultan. Não deixa de ter uma boa nota no currículo: constou na Wrestlemania XIII, onde desafiou Rocky Maivia – é tudo em família, ao menos – pelo título Intercontinental, mas sem sucesso.

Fundada em 1996 e extinta em 1998, com a saída de Fatu, até ao ano seguinte em que já viria como Rikishi, deu para entender que não havia assim muito para fazer nem muitas ideias para Sultan. E, olhando para a sua premissa, parece estar limitado. Se hoje em dia consideramos tão importante a comunicação e capacidades orais de um Superstar para ficar over, íamos ter dificuldades com alguém que nem língua tinha! E por muito que aprovasse a ideia de ter o Iron Sheik a dar promos por quanto tempo fosse preciso, Sultan nunca se conseguiria emancipar e a única emancipação possível seria a de Fatu da gimmick, o que aconteceu, para se tornar Rikishi.

É uma ideia engraçada mas resultou pouco na altura e não resultava agora. Já estamos bem servidos de Heels monstruosos – e bons – e de estrangeiros com ajudas para falar por eles – que podem sempre dar uma palavrinha porque ainda têm a língua. Não sei se questões raciais viriam à baila. Mas se Sultan apenas ficou bem como Rikishi, ninguém ficaria bem como Sultan actualmente.

Friar Ferguson


Este é perfeitamente compreensível que não o reconheçam e/ou não se lembrem dele. Não fez mais que a sua apresentação e polémicas forçaram a remodelação de Mike Shaw, o wrestler que interpretava, para o mais conhecido – mas também não muito lembrado – Bastion Booger. Se Booger em si já leva uma bizarra gimmick pouco específica – um gajo que dava nojo até aos cães? - havia algo de mais especial ainda em Friar Ferguson.

Vinha com a batina e o corte de cabelo a dizer tudo e até descalço vinha. Friar Ferguson não era um indivíduo qualquer, era um monge. E também não era um monge qualquer, era doido varrido e tinha a sua loucura como principal atributo da sua personagem, sendo o posto religioso apenas uma base humorística. O monge maluco apresentou-se no Monday Night Raw em 1993 e com certeza que deixou muita gente confusa. E não caiu bem a todos. Mas com certeza que não seriam os fãs que iam reclamar. Obviamente foi a Igreja Católica – mais especificamente, a de Nova Iorque – que se queixou, após se sentir ofendida com o retrato feito de um membro clérico. Não vejo razões para tanto escândalo, quando nem sequer vejo qualquer traço de personagem-tipo que representasse alguma coisa ou visse alguma indicação de crítica. Mas público religioso não gostou, queixou-se e a WWF cedeu. Após uma ou duas aparições e após uma pausa de semanas/meses, o monge já não era monge, apenas era um obeso com um fato demasiado revelador para o corpo que tinha, tinha mau aspecto e apresentava uma gigante falta de maneiras, como por exemplo, a comer, como se pode ver num existente segmento hoje e então infame. E já se chamava Bastion Booger, com quem também não desfrutaria de grande sucesso.

Já não era um monge, mas era um indivíduo asqueroso utilizado para comédia “gross out”. E se alguém reconhecesse Friar Ferguson naquele remodelado lutador, apenas se torna mais hilariante e contraditório à queixa da Igreja, se interpretarmos a loucura do monge anterior como algo que culmina em alguém como Bastion Booger. Nem sei se os devotos pensaram nisso sequer. O certo é que nem deu para perceber que havia muito que fazer com Friar Ferguson. Não me parece que houvesse. Nem a gimmick nem o performer tinham o “pedigree” para ir longe.

Nos dias actuais, não digo que uma gimmick de cariz religioso satírico não desse resultado - #BringBackMordecai. Se não tivessem medo de tocar no assunto tabu tinham um bom leque de opções. Até confesso que quando vi as primeiras vinhetas dos New Day, com aquele coro, esperava que eles viessem como alguma espécie de reverendos galhofeiros como se vê em muitas Igrejas Americanas, maioritariamente ocupadas por Afro-Americanos. Em vez disso são gajos positivos, o que equivale a não serem nada, mais coisa menos coisa. Mas um monge louco com a estrutura física e psicológica de Friar Ferguson? Um tiro no escuro que ia cair direitinho aos Superstars e ao desaparecimento. Até via a acontecer e a tentar ficar over as primeiras semanas, sem sucesso. Mas nada mais.

Festus


Luke Gallows, o seguidor do profeta e salvador straight-edge que mais tarde viria a integrar um gang de motards chamado Aces & Eights, como DOC. E tudo isso já depois de ser um Kane impostor. Já passou por muitas mas deu primeiro nas vistas como Festus. Ainda se devem lembrar bem dele e do seu parceiro e manager Jesse, com quem deu os seus primeiros passos próximo do sucesso – não foi assim tão longe mas foi visto.

Não ficou com uma gimmick vulgar e tratava-se de alguém que sofria de problemas mentais, retardamento e nem sequer comunicar conseguia, ficando todo o dote da palavra para Jesse. Com aquele aparente mongolismo, nem parecia muito ameaçador, até se encontrar dentro do ringue, a competir, após o tocar da campainha, em que a sua expressão facial mudava para uma intensa e perigosa. O seu estilo de luta também mostrava essa brutalidade até conseguir esmagar o adversário. Com novo toque da campainha, Festus voltava ao seu estado “especial”.

Implica-se que os seus problemas cerebrais fossem apenas causados por substâncias e maus vícios, pois ficou fino que nem um birote assim que CM Punk o salvou, mas até aí, Festus era uma personagem mais arriscada que o que parece. Há muitas formas de brincar com tabus e as tais “coisas sérias” não deviam ser proibidas e também podem ser abordadas de forma curiosa e/ou humorística. Mas temos que ver se apresentar alguém como Festus não será algo desconfortável para alguém que padeça de algum problema mental ou conheça alguém com problemas. Será um assunto sensível para atribuir a gimmick a um lutador bruto ou eles até abordam a coisa com cuidado e tentam desviar-se do gozo sem gosto?
O certo é que também não é um conceito assim tão novo. Eugene representava um Superstar com Síndrome de Down – má escolha pois o dito Síndrome também apresenta características físicas que não se verificavam no performer – que encantava plateias com os seus comportamentos inocentes e infantis. E até certo ponto temos que ponderar que também fosse o caso do Friar Ferguson, se aquilo chegasse a andar sequer. Será que dá para pegar nisto outra vez? Numa era de realidade como a actual, seria difícil emancipar uma personagem dessas da realidade. E seria constrangedor para a companhia que tanto se dedica à caridade, ter a eventualidade de se cruzar com miúdos que sofram de doenças e tenham lá um a fazer de conta que tem uma. Fora isso e olhando para o conteúdo possível em TV... Festus foi “salvo”. Provavelmente acontecia o mesmo.

Waylon Mercy


Encontram-se aqui semelhanças com o anteriormente mencionado Festus. Waylon Mercy tem como base a personagem Max Cady do filme Cape Fear, mais precisamente o remake de 1991 com Robert DeNiro. Waylon Mercy era bizarro, andava de branco e com uma camisa havaiana e tinha tatuagens esquisitas, chegando a incluir uma na testa. Era um cavalheiro que cumprimentava os fãs, era calmo e por vezes até o adversário e o árbitro cumprimentava. Mas é aqui que os paralelismos com Festus entram. Assim que soasse a campainha, tornava-se num psicopata de olhos arregalados.

A personagem conseguiu captar atenção e até era original e inovadora. Afinal de contas era um Heel que nem sequer insultava os fãs, até era bastante gentil com eles. Apenas era Heel em ringue e era aí que revelava toda a sua maldade e tinha todo um trabalho de vender o seu lado mais vicioso apenas em ringue. E também levava aquela dose de mistério que fazia com que existisse interesse nele. E até as suas promos eram crípticas, ditas num tom sussurrado e que acabavam a dizer que vidas estariam nas mãos de Waylon Mercy. E até nem ia nada mal encaminhado, vencia nomes sólidos do midcard como o 1-2-3 Kid ou Bob Holly e já começava a brincar com competidores mais altos como Diesel ou Bret Hart.

No entanto apenas teve uma presença em PPV contra Savio Vega, nunca conseguiu ganhar um título e acabou por ausentar-se em Outubro de 1995, meros meses após a sua estreia – regresso, visto que o performer já lá estivera na década de 80 como Danny Spivey, onde chegou a integrar a equipa dos The American Express. Mas não foi por cancelamento ou corte. O lutador teve que se retirar devido a lesões que tinha vindo a acumular ao longo dos anos. Não conseguimos evitar questionar-nos se Waylon Mercy não teria conseguido ir mais longe e quiçá ainda conquistar um título ou dois. Porque a coisa até tinha o seu potencial.

E será que dava nos dias de hoje? Pois claro que dá, é o Bray Wyatt! Os atentos e de boa memória viram imediatamente os paralelismos entre Mercy e Wyatt, tendo a mesma personagem cinematográfica como inspiração e maneirismos semelhantes. Diga-se que Bray Wyatt é uma versão mais aperfeiçoada de Waylon Mercy, com um performer que já tenha dotes mais avançados para resgatar o que quer que pudesse ter ficado em suspenso com o mais despercebido midcarder da década de 90. Daí posso dizer que esta é uma gimmick que resultaria nos dias de hoje, com uns pormenores aperfeiçoados. Que é o que já está a acontecer e bem com um dos mais interessantes indivíduos a decorar-nos o ecrã.

Glacier


Achavam mesmo que não ia aparecer ninguém da WCW? Eles é que eram os reis disto e em 1996, brindaram-nos com o fantástico Glacier, que ainda durou uns bons três anos. Basta olhar para ele para vermos que não estamos perante um personagem vulgar, é logo um gajo inspirado no Sub-Zero do Mortal Kombat. Daí que nem ache que se devam disfarçar deste no Carnaval, mais vale ir de uma vez para o Sub-Zero que é muito mais fixe e perceptível.

E não lhe bastava a fatiota, tinha que ter uma entrada bastante... gélida e... glaciar (!) para completar a coisa. E, acreditem ou não, diz que os custos de produção da sua entrada rondavam o meio milhão de dólares. Para quê uma entrada de um Undertaker ou para quê o actual teatralismo de um Finn Bálor quando se podia entrar com montes de lasers e luzes azuis, capazes de perturbar os mais sensíveis, com direito a neve falsa, a um ritual de mais de dois minutos de remoção de máscara e armadura e a um ringue totalmente envolvido em luz azul? Memorável!

Ia encaminhado para sabe-se lá o quê, mantendo-se invicto durante cerca de um ano. Por alguma razão, aquela imagem toda não pegou como a “next big thing” e assim que sofreu a sua primeira derrota para as mãos de Buff Bagwell foi sempre a descer. Até chegou a ser uma das vítimas squashadas da streak de Goldberg. Andou nessas estradas da amargura até que uma feud com Perry Saturn arrebitou-lhe um pouco o interesse e o levou de volta ao midcard onde chegou a desafiar pelo United States Championship, único campeonato que teve – infelizmente o Campeão era o Goldberg, logo ele teve ovo. Mais algum tempo a jobbar e a personagem foi retirada, em 1999, à maneira WCW – farto, Glacier vende a armadura, a máscara e capacete e remodela-se como Coach Buzz Stern, com quem apenas tem um combate, uma derrota para Eddie Guerrero, até à sua eventual demissão.

Pasmem-se que esta gimmick não tirou o lugar ao Sting ou roubou a atenção dos nWo ou é citada como responsável pelo inicial domínio da WCW nas famosas Monday Night Wars contra a WWF. Talvez o gajo que puxava o gasto de rios de dinheiro para pôr a arena a parecer o interior de um icebergue não seja aquele estrondo que parecia que queriam fazer ao início. Nem sei se transitar personagens de Mortal Kombat para o wrestling é tão boa ideia, não só porque eu sou um gajo mais de Tekken, mas porque personagens de videojogo são perfeitas e épicas no seu próprio universo. Não num ringue de wrestling, a lutar com outro tipo de heróis “cartoonescos” diferentes. Senão também queria o Hwoarang e o Eddy a distribuir as patadas deles, que era um show.

E actualmente, nem é bom pensar se fossem lá lembrar-se de uma coisa destas. Nem no NXT faziam isto resultar e a plateia se o abraçasse seria numa de “So bad it's good”. E apenas deixaria o Finn Bálor a rir-se, no que diz respeito ao assunto da entrada. Logo não tragam personagens de videojogos de luta com temas glaciares que isso já consta na história e sem necessidade. Ou se calhar até precisamos de pérolas destas.

The New Day


Para finalizar, o último exemplo é de agora mesmo. E foge um pouco ao tema que se tem vindo a desenvolver por não se focar em nenhum resgate a algo do passado nem à integração nos dias de hoje, quando é nos dias de hoje que ela existe. Nem é uma gimmick assim tão “flashy” quando nem sei bem o que é. Mas como acho que está ao nível e calibre de outras que por aqui passam, aqui ficam os New Day a fechar esta edição de gimmicks do Slobber Knocker!

Quem são eles? Big E, Kofi Kingston e Xavier Woods. Tudo midcarders talentosos que não parecem ter neles o factor X que os torne relevantes a longo prazo. Vários títulos que aqui existem – quase todos no Kofi, é verdade – mas nem assim há ali algo que os mantenha na luz da ribalta. Juntaram-nos como um grupo frustrado, a lembrar uns Nation of Domination, com Woods a servir de porta-voz. Desapareceram, descartaram-nos e voltaram com vinhetas que me davam ideias mistas – ler o que já disse sobre o que eu pensava que podia sair daí.

Estrearam e ficaram quase tão over como os técnicos da luz e os produtores do som. Eles bem tentam os cânticos de “New Day” mas a reacção é quase nula e reduzida àqueles que ainda respondem também aos “What's Up?” do R-Truth – nem sei como é que esse se safou de integrar o grupo para formar um quarteto. E ainda para mais, a gimmick deles é demasiado vaga e acaba por nos dar a ideia de que é só mais um grupo junto por questões raciais. São tipos muito positivos? É só isso? Que se vestem de azul que nem Bluetistas e que um deles sua muito? E que cantam muito antes de lutar sem que o público reaja? Não há aqui nada, realmente.

Daí que possa concluir esta entrada dizendo que uma gimmick destas não resulta nos dias de hoje, porque não está a resultar. Está a acontecer e está a ser um fiasco. E não tem nada para dar certo: assuntos raciais já vêm à baila quando apenas se vê conveniência na junção destes três, gimmicks vagas com pouco assunto e repetição de conteúdo que já chateia quando é com gimmicks fortes quando mais quando é com alguém que é pouco mais que nada. E não, a culpa não é dos performers que, com o material certo conseguiriam safar-se. Remodelação é a salvação.

E com estes exemplos, visitas ao passado e ao presente, fecho esta edição do Slobber Knocker. Que acabou mesmo por ser uma edição Carnavalesca do dito cujo. Espero que tenham gostado e que este tema ainda seja bem-vindo. Querendo mais, alertem que o que não falta são cromos de colecção. Se quiserem, para além de comentar estes casos que podem e devem, estão à vontade de discutir o sempre relevante assunto:

“Que gimmicks actuais mudariam?”

Planeio voltar na próxima semana e espero que ainda estejam cá para ler. Por aqui fico e desejo um bom Carnaval a todos, especialmente aí no Brasil, onde sei que a coisa tem uma dimensão que faz qualquer festa de Carnaval Portuguesa parecer uma churrascada. Fiquem bem e comportem-se nessa noite de loucura e descontrolo!

Cumprimentos,
Chris JRM



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